Uma ovelha rumo ao matadouro

A GAROTA RADIANTE no streaming

Pierre Marivaux (1688-1763) consagrou um gênero de comédia teatral que botava em cena os amores jovens, suas delícias, inconstâncias e decepções. É o que vemos não só na peça-dentro-do-filme, como na trama principal de A Garota Radiante (Une Jeune Fille qui Va Bien). Irène (Rebecca Marder) está ensaiando a peça L’Épreuve, de Marivaux, com um grupo de aspirantes a atores ao mesmo tempo que oscila entre um namorado tímido e uma paixão súbita com o assistente do seu oftalmologista – a melhor acepção possível para a expressão “amor à primeira vista”.

Tudo isso seria puro Marivaux não fossem a condição de Irène e a época em que ela vive: judia na França de 1942. Sem que ela perceba claramente, nem pareça se importar muito com isso, a perseguição aos judeus começa a progredir: cortes na comunicação, carimbo na cédula de identidade, estrela amarela na roupa, etc. De repente, todos viram cidadãos de segunda classe.

Nós sabemos que o Holocausto estava prestes a acontecer, e o filme de Sandrine Kimberlain joga com isso para sublinhar a inocência (alienação?) de Irène. Um jovem ator que desaparece, a discriminação que brota em diferentes lugares – nada disso reduz o entusiasmo da moça com a disputa por um lugar no elenco do teatro e o florescer do seu romance. Para o espectador, é como uma ovelha correndo alegre rumo ao matadouro.

A história foi criada pela própria Sandrine, estreando na direção depois de uma já longa e fértil carreira como atriz. Talvez haja uma leveza exagerada na forma como ela pinta aquele momento dramático para a comunidade judia da França. O foco na eufórica Irène não justifica que tudo o mais fique tão desdramatizado e tangencial.

Depois de esnobado em seu tempo, Marivaux foi abraçado com fervor pela Comédie Française. É de lá que saíram vários atores do filme, inclusive Rebecca Marder. Ela é ótima atriz, mas sua caracterização peca pelo excesso. Irène é sempre hiperativa e hiperexpressiva. Se está ansiosa, Rebecca se mexe incessantemente. Se está apaixonada, se vira freneticamente na cama. Se está inquieta, gesticula em demasia. Radiante é um eufemismo.

Outra deficiência é a falta de atmosfera de época. Não são apenas os cortes de cabelo anacrônicos, mas toda uma inadequação dos tipos humanos e uma escassez cenográfica que concorrem para o filme parecer debilitado, apesar de ocasionalmente simpático.

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