A revolução é uma comédia

UMA BATALHA APÓS A OUTRA

É no mínimo curioso ver como Hollywood encena a revolução nos dias de hoje. Tudo soa como uma grande e arriscada brincadeira, pautada por gírias, senhas e referências à cultura pop. Se a ação do grupo French 75, em suas expropriações de bancos e vendettas contra políticos fascistas, chega a se parecer com a da luta armada brasileira durante a ditadura, o restante tem mais a ver com a tradição espetacular do cinema hollywoodiano: explosões, perseguições automobilísticas e uma mescla de tesão e perigo.

Ainda assim, em seu tom de comédia quase maluca, Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another) tem ingredientes capazes de irritar um bocado a extrema-direita trumpista. Afinal, o grupo subversivo que tem Leonardo DiCaprio como especialista em explosivos se dedica a libertar imigrantes detidos pelo governo. Seu principal antagonista é um tipo horripilantemente histriônico vivido por Sean Penn, que representa o pior do poder repressor, justamente porque é apaixonado por suas vítimas.

O status quo político-policial frequenta um clube de brancos racistas, xenófobos, cínicos e herdeiros de práticas nazistas. Só faltou um daqueles vermes ter o cabelo laranja.

Paul Thomas Anderson volta a se inspirar em romance do recluso escritor pós-moderno Thomas Pynchon, Vineland,  autor que ele já havia adaptado em Vício Inerente, de 2014. Equilibrando-se entre a mensagem política dissimulada no humor e o desejo de explorar personagens de traços fortes, PTA não se importa de trabalhar com um roteiro mal ajambrado, com saltos desengonçados no tempo e uma metragem que fica sobrando como as veias dos braços de Sean Penn em suas camisetas apertadas.

O mote principal é a rivalidade entre Bob Ferguson (DiCaprio) e o coronel Steven Lockjaw (Penn), ambos fissurados na beldade Perfidia (Teyana Taylor). Por sinal, não passa despercebido no filme um tanto de fetichização sexual das mulheres negras, assim como o tratamento cômico da figura do “revolucionário”. Dezesseis anos depois de uma perda pessoal, de guerrilheiro audaz Bob transformou-se num traste paranoico, viciado em drogas e álcool. É quando sua filha é sequestrada e ele parte em busca de resgatá-la.

A relação de Bob com o amigo mexicano vivido por Benicio Del Toro rende situações divertidas no filão do buddy movie. O antigo expert em bombas agora vive às voltas com o carregador de celular e não sabe como acionar o flash da câmera. Na América amoral de PTA, não há heróis nem vilões que se sustentem como tais até o fim.

Uma Batalha Após a Outra é um filme dinâmico, dirigido e atuado com garra e certa graça, mas não creio que esteja no nível dos melhores filmes do diretor, como Sangue Negro, Boogie Nights e Trama Fantasma. Um dos ingredientes mais desconcertantes é a trilha musical de Johnny Greenwood. Baseada no efeito contrapontístico, parece muitas vezes estar em desacordo com o espírito da cena. É parte da intenção de produzir discrepâncias numa história não muito original, no fim das contas.

>> Uma Batalha Após a Outra está nos cinemas.  

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