A discussão sobre o jovem cinema brasileiro, deflagada pelos artigos de Felipe Bragança e meu em O Globo, foi retomada no blog Anotações de um Cinéfilo, do crítico Filipe Furtado. Para quem não andou por lá, segue abaixo minha resposta ao post do Filipe:
Parabéns, Filipe, pela pachorra em esmiuçar os subtextos dos dois textos. Não me importo de ser visto como crítico careta se isso significa de fato assumir uma atitude crítica perante filmes e textos correlatos. Apenas não gostaria de me ver reduzido a porta-voz deste ou daquele cinema que passa por “oficial”. Meu gosto e meus critérios são nutridos por cinefilia, honestidade comigo mesmo e amor pelas muitas acepções da beleza. Por isso é que, ao lado de alguns filmes do Salles e do Meirelles, também exalto “Serras da Desordem”, “Jogo de Cena”, “Santiago”, “Lavoura Arcaica”, “Sudoeste”, “Morro do Céu”, “Recife Frio”, “Os Famosos e os Duendes da Morte” (desculpe), “A Alma do Osso”, “Acidente”, “Nome Próprio”, “Árido Movie” e “Amarelo Manga” como alguns dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos, apenas para citar os que me lembro agora. São obras muito distintas entre si, de procedências as mais diversas, mas que têm em comum uma potência, uma integração de meios e propostas de diálogo com o espectador que me tocam e me interessam de maneira especial.
De resto, não tenho nenhum interesse em projetar uma imagem de mim mesmo através das minhas escolhas. Não pertenço a nenhum grupo, embora não tenha nada contra grupos, ao menos enquanto eles não se tornam “corpos” para comunhão de gostos e interesses.
Esse debate tem trazido à tona uma série de saudáveis revelações, além de necessárias afinações de discurso, de parte a parte. Bacana que o seu blog venha repercutir, prolongar e aprofundar essa conversa.
P.S. Muito curioso ver, entre os comentários ao post do Filipe, um de Felipe Bragança afirmando, seis dias depois, que não leu meu artigo em resposta ao dele. Que coisa, hein?!
Caro Fernando,
Não tome um por todos. Quando o Felipe tomou para si o papel de ideólogo dessa “geração”, como bem aponta o Filipe Furtado, uma boa parte da tal “geração” achou bom. “Ele tem penetração (de mídia). Tem formação de crítico, domina bem a linguagem e o discurso. Está lá me legimitando – legal.” É uma “estratégia” coletiva – e creio que em parte inconsiente, e em parte consciente. Porque o que acontece é que se você gosta de ser legitimado por ele e deixa isso acontecer, por outro lado é você quem o está legitimando, cedendo seus filmes para o discurso alheio.
O problema agora é que exposto o “infantilismo” e a prepotência (está sempre no centro dos acontecimentos) do ideólogo da “geração”, pode-se tender a por por terra a tal geração. Mas a geração vai muito além do ideólogo. O que falta são outras pessoas que venham a público expor suas convicções (o que o Felipe teve a feliz coragem de fazê-lo).
Sim, os críticos estão participando do debate, o que é ótimo. Mas e os realizadores? (Até agora, só registro ter visto colocações do Sergio Borges.)
Muito oportuno o seu comentário, Rodrigo. O fato de se criticar o texto do Felipe e mesmo se apontar problemas e insuficiências graves em muitos filmes não significa uma crítica geracional. Toda generalização é daninha, tanto as apaixonadamente favoráveis quanto as mais céticas e questionadoras. A geração de que falamos está cheia de talentos e pulsões importantíssimas para o presente e o futuro do cinema no Brasil, mas talvez precise se desvencilhar de discursos grandiloquentes e totalizadores. E atuar politicamente para fazer seus filmes chegarem à legitimação de fato, que é o contato com o público fora das redes de proteção.
Comentário ao PS:
Que coisa – mesmo. Mas, não se surpreenda com isso, Carlos. A essa geração também faltam sinceridade e firmeza, para além de clareza de intenções e propósitos…
Opa! Eu tô meio a deriva, nessa. Não sei se faço parte dessa geração que você citou: me formei com o Felipe Bragança na UFF (um cara que gosto, já digo), mas era chamado de tio sukita pelas minha colegas, devido a idade. Muito menos sou O Cineasta (dirigi um curtinha… mas, quem bebe um copo é alcóolatra?) e, longe de ser crítico, estou mais para auto. Tá, vou lançar aqui minha âncora, nesse exato momento de tormenta: sou dessa geração, em que faltam sinceridades e firmezas. E por causa dessa falta de firmeza, não acredito em afirmações absolutistas como essas que você (Fernando Monteiro) fez. Daí, desafirmo auto-criticamente: a gente se leva a sério demais! Falta, no mínimo, um cadinho de humor. E o CAM (essa sigla me é muito cara, já que sou ardoroso torcedor do meu GALO) gosta disso, ao mostrar uma outra crítica de Tio Boome (que adorei).
Ah, quando falo ‘a gente’, vai, deixa eu fingir que sou cineasta e crítico. E dessa geração. Pois bem, vai outra:
Gostei muito do texto do CAM, pra variar. Aprecio muito suas caretas (mal citando Filipe Furtado), mas CAM não é apenas um crítico careta. É muito pior: é um crítico-carranca, que coloco muitas vezes à frente da minha nau sem rumo pra espantar o marasmo. E, se melhorar, afunda!
Bem, findo o insincero puxa-saquismo, costuro a seda rasgada com uma pequena coisinha de seu aclamado artigo e que, oh!, eu também concordo: masturbação coletiva. Eu faço meu filme para o outro curta-metragista ver. E lá vamos nós, de mãos dadas (ou não, já que se trata de uma punhetinha) para os outros festivais, participarmos do mesmo sarau masturbatório estético. De vez em quando, viva!, a coletividade aumenta com os nativos de algum festival. E a masturbação vira suruba, mais fértil, com mais trocas. Ou seja, o mundo se faz um pouco mais presente no nosso mundinho do cinema.
Creio (de crença mística mesmo, firmeza?) que muitos punheteiros como eu preferem a suruba. O problema é quando o mané aqui confunde essas duas artes, achando que são a mesma coisa. Uma redoma é criada, seja por fé ou por má, vá saber. Nisso que CAM critica: o oba-oba-redoma do punhetódromo.
Só que falta o outro lado da auto-crítica. E levanto cá minha bandeira de barão Münchhausen: sou um cineasta , mas também sou um crítico punheteiro. E ninguém me tasca esse direito! Afinal, quem lê o que escrevo? Quem leu o que os Braganças, Furtados, Monteiros, Migliorins escreveram? Perguntei pra minha mãe, pro meu vizinho, pro meu colega de serviço, pro meu irmão, pro porteiro do meu prédio, pra minha amiga ex-passista da São Clemente, pros velhos-alunos-velhos cineastas do ponto de cultura ‘Alice, prepara o gato!’ (é, acreditem, esse outro mundo paralelo audiovisual também existe) . E ninguém, ninguenzinho desses desinformados sabe dos novíssimos filmes contemporâneos, quiçá (e põe muito quiçá nisso, viu) das críticas escritas sobre. E nenhum deles se importa. No que estão cobertos de suas razões. Eles e mais de 90 por cento da população brasileira.
Pois é meio chato quando eu me dou importância demais. Ainda bem que, vez ou outra, a sábia Chapeuzinho Vermelho me dá um safanão: ‘Mauro, larga de ser mané!’. E olha, tenho apanhado bastante. E, como um bom adicto egocêntrico, incomoda-me mais (inveja minha, tenho certeza) quando vejo alguém também se dando mais importância que eu – e a mim. E isso sendo cineasta e/ou crítico, de qualquer geração (‘geração’… no contexto, palavra-paradoxo)
Meus caros três ou quatro leitores, estou cá, nesse exato momento, batendo uma punheta pra mim e para o Fernando Monteiro. Se quiser participar também, basta escrever. Assim também fez CAM, que bateu uma para o Bragança, que tirou umazinha para o Furtado, que fez um cinco contra um para o Fabio Andre, que descabelou pra Monassa, que não se casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história.
Só que, sugestão, punheta séria demais é meio brochante, caro leitor-escriba.
E estamos todos nós, punheteiros, sonhando com um momento mágico que seja de uma pontual suruba nacional. Só que, suspeito, temos que nos achar menos pra que nos encontremos mais com minha mãe (ehrr… pensando bem, nesse caso, melhor não), com SEU vizinho, com seu e meu colega de serviço, com nosso irmão, com o J. Pinto Fernandes, com…
A carranca agradece a gozadora (epa!) e seriíssima participação. E dá o devido crédito ao texto porreta citado sobre Tio Boonmee ao amigo e crítico-careta Ricardo Cota. E vamos seguindo nessa alegre e surubal celeuma.