Brasileiros e croatas: entre abraços de amor e pernadas de capoeira

Renan e Irena de camisas trocadas

No dia em que Brasil e Croácia se enfrentaram na última Copa do Mundo, cerca de 200 moradores da Croácia vestiam verde e amarelo e torciam pela seleção canarinho. Eram os brasileiros que vivem naquele país balcânico, segundo números da nossa embaixada em Zagreb. Pelas contas deles, cerca de 30% residem na capital. A grande maioria se compõe de mulheres casadas com croatas, jogadores de futebol e de capoeira. Por trás desse quadro, algumas histórias exemplares podem ser contadas pelas profissionais de turismo da agência Kamauf Tours, que organizou minha recente viagem aos Balcãs.

Jeronim e Marília com a filha Maíra

A empresa foi criada há cinco anos, quando a brasileira Marília Peixoto e o croata Jeronim Žigrović resolveram guiar passeios de turistas em Zagreb e redondezas. Eles haviam se conhecido em 2008, em Portugal. “Foi num ônibus de turismo no Porto. Eu me sentei ao lado dele e estamos juntos desde então”, conta Marília. “Foi o primeiro croata que conheci e, até então, da Croácia só tinha ouvido falar em futebol”. O casamento e a mudança se seguiram rapidamente. Ela já pensava em ficar na Europa por um tempo para estudar e trabalhar. Jeronim tinha três empregos e ela, nenhum no Brasil. Assim, os dois juntaram forças e interesses por História e Geografia para trabalhar com turismo. Marília mantém o blog Uma Brasileira na Croácia.

Do álbum de casamento de Amanda e Bojan

Do álbum de casamento de Amanda e Bojan

Sua colega Amanda Rodrigues tem uma história semelhante. Formada em turismo, empregou-se numa companhia de cruzeiros marítimos em 2006. Lá conheceu o marido, Bojan Barisic, que é croata mas nascido em Tuzla, na Bósnia e Herzegóvina. “Nós chegamos a bordo no mesmo dia, fizemos o treinamento juntos e depois trabalhamos no mesmo restaurante pelos dois anos seguintes”, recorda-se Amanda. “Cheguei em Zagreb por amor, mas logo de cara já me senti em casa. A cidade me encantou com as cores do outono. A simpatia do povo também me surpreendeu e depois de uns dois meses o choque inicial que tive com a língua também foi superado”. Na hora de decidir entre morar no Brasil ou na Croácia, o fator segurança foi decisivo para o casal: “Poder andar pela rua desacompanhada em qualquer horário, em qualquer lugar, é algo incrível. Depois, quando resolvemos ter filhos (hoje tenho dois), a decisão ficou ainda mais simples. Além da segurança, aqui temos educação e saúde públicas, que não são perfeitas, claro, mas funcionam”.

O romance entre brasileiros e croatas também inverte a mão dos gêneros. A guia turística Irena Hunjadi, nascida em Zagreb, costumava assistir a telenovelas brasileiras, achava tudo muito exótico e se apaixonou pela língua portuguesa, que hoje domina com fluência. Começou a aprender numa escola de idiomas estrangeiros, mas não gostou do acento lusitano e passou a estudar sozinha, ampliando contatos com brasileiros. Assim conheceu no Orkut o paulista Renan Luiz, que era fã do lutador croata de MMA Mirko “Cro Cop” Filipović. “O amor chegou como numa novela”, compara Irena. Eles namoram há sete anos e se veem em média uma vez por ano, matando a saudade diária através do Skype e das mensagens virtuais. Renan se recorda das primeiras comunicações com hora marcada pelo Googletalk até o dia em que ele recebeu uma carta de amor com a foto dela, que guarda até hoje. “Apesar das tecnologias, nunca deixamos de enviar cartas pelo correio e presentes surpresa em datas especiais (a Irena adora ser surpreendida, rs)”, conta ele. “Ela gosta muito de caipirinha, pão de queijo, paçoquinha e chinelo havaianas”, entrega. Irena não se preocupa tanto com a distância física: “Se a gente se ama e confia um no outro, não há com que se preocupar”, assegura. Eles já conheceram as respectivas famílias e pretendem casar-se logo que decidirem em que país vão morar.

“Nós croatas também gostamos muito de festas, de beber e de sair com os amigos. Amo muito a língua e o povo brasileiros. É o que me faz acordar todo dia com vontade de fazer o meu trabalho”, diz Irena. A vocação para o turismo foi descoberta ainda criança, quando ela colecionava folhetos e criou sua própria agência de brincadeira com clientes imaginários. Nos últimos oito meses tem trabalhado na Kamauf guiando principalmente turistas brasileiros, espanhóis e asiáticos.

A empresa admitiu recentemente uma nova funcionária croata casada com um capoeirista brasileiro que mora em Zagreb, da qual foi aluna. Marília se diz espantada com outro caso ainda, de uma brasileira e um croata que se casaram e logo em seguida o marido resolveu se separar. Mas isso é, sem dúvida, uma exceção. Amanda explica qual é a regra: “Todos os brasileiros que conheço aqui na Croácia ou vieram por amor, como eu, ou têm raízes croatas na família. No segundo caso, algumas vezes ajudei no processo de localização das famílias, que é um trabalho super prazeroso”.

A ideia geral que os croatas têm do Brasil não se afasta muito dos estereótipos habituais: futebol, samba, mulatas, praia, novelas… E muita capoeira. Existe um grande número de escolas de capoeira espalhadas pelo país. Na região da Eslavônia, norte da Croácia, há um grupo de teatro e dança formado por brasileiros. “O Brasil é um país querido”, diz Amanda. “As pessoas são curiosas com o nosso jeito alegre de viver e gostam muito da sonoridade do português”. Novelas como O Rei do Gado, Salve Jorge e Avenida Brasil, assim como a série Confissões de adolescente, foram muito populares e passavam no idioma original com legendas em croata, daí que muita gente aprendia palavras e expressões em português. Marília dá aulas de Civilização e Cultura Brasileira no curso de Português da Universidade de Zagreb e assim testemunha um interesse crescente pelo Brasil. “O país tem estado na mídia nos últimos anos, e isso faz com que muitos alunos procurem conhecer nossa música, literatura e artes”, explica.

Ainda assim, as celebridades mais conhecidas por lá são os cantores Michel Teló e o sertanejo Gusttavo Lima, além do escritor Paulo Coelho. Todos já estiveram na Croácia várias vezes. O mago, fenômeno planetário, tem seus lançamentos vendidos em bancas de jornal e expostos com destaque em vitrines e banners enormes nas principais livrarias. Pequenas mensagens extraídas de seus livros são transcritas, em croata e inglês, nas garrafas da água mineral mais vendida no país (foto à direita). Michel Teló, por sua vez, apresentou-se na famosa arena da cidade de Pula, a ruína romana mais famosa e bem conservada da Croácia – uma honra só concedida a grandes estrelas.

Drummond e Machado de Assis, assim como a Bossa Nova, estão no raio daqueles poucos que têm maior familiaridade com a cultura brasileira. No cinema, é difícil encontrar alguma referência além de Cidade de Deus. A recíproca tampouco é mais expressiva. Quantos de nós conhecem a cultura croata? Ou sabem distingui-la da cultura sérvia, bósnia ou eslovena depois que a Iugoslávia se dividiu em sete repúblicas? A comédia Os Filhos do Padre é o único filme croata que pode estar na memória dos cinéfilos daqui.

O turismo é que tem atraído muitos brasileiros para as belezas da Dalmácia e os encantos de Dubrovnik. Desde que algumas reportagens de TV destacaram a Croácia como destino turístico, a procura cresceu exponencialmente. “O fato de a Croácia reunir, em uma área tão pequena, praias, ilhas, montanhas e parques nacionais, além de um legado histórico dos gregos, romanos, bizantinos e austríacos, propicia este interesse”, acredita Marília. “Afora isso,a proximidade geográfica de países conhecidos como a França, Itália e Alemanha ajuda também. Para completar, como a moeda não é o euro, os preços ainda são relativamente em conta para o bolso do brasileiro”. Amanda acrescenta a gastronomia: “Além da qualidade dos pratos e restaurantes, a região também oferece bons vinhos, cervejas e licores”.

À pequena colônia brasileira da Croácia corresponde um também diminuto contingente de croatas que vivem no Brasil. Muitos deles emigraram nas décadas de 1940 e 1950, de modo a se afastarem da II Guerra Mundial e do regime comunista que se instalou em seguida. Em 1948 surgiu a Sociedade Croatia Sacra Paulistana, que ainda hoje congrega a comunidade croata em São Paulo. Lá também os imigrantes e seus descendentes torceram pelo time da Croácia na última Copa.

Quando visitava Zagreb, em agosto último, fui abordado casualmente por Šime Deur, secretário-geral dessa instituição, em visita à terra natal. Gravei com ele essa rápida conversa em frente à catedral da cidade:

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