3 FACES
Combinar simplicidade e complexidade tem sido uma marca dos melhores filmes iranianos desde a década de 1980. Jafar Panahi nos dá mais uma demonstração disso em 3 FACES.
O diretor de O Balão Branco, Isto Não é um Filme e Taxi Teerã se aproxima aqui do seu mestre Abbas Kiarostami para pavimentar um road movie na fronteira entre o registro do real e a invenção ficcional. Faz menções quase explícitas a filmes como O Gosto da Cereja e O Vento nos Levará. Mas, estruturalmente, é à trilogia da busca de Kiarostami que o filme parece querer se integrar.
Mais uma vez dirigindo ao mesmo tempo o filme e um carro, Panahi se lança pelas montanhas do interior do Irã à procura de alguém. Vivendo seu próprio papel, ele viaja com a atriz Behnaz Jafari, emocionada com a videocarta de uma moça que lhe pede socorro para seguir a carreira dramática proibida pelos pais. O vídeo se conclui com um aparente suicídio. A meta é encontrar a casa da moça enquanto a vida continua através das oliveiras.
Outro traço desse moderno cinema iraniano é dramatizar a relação polarizada das pessoas comuns com o cinema. Pensemos em Salve o Cinema e Através das Oliveiras. De um lado, a fascinação pela magia e o estrelato, como se vê na recepção dos aldeões à chegada de Panahi e especialmente de Behnaz. De outro, a rejeição dos mais conservadores à ideia de um de seus filhos optarem pelo mundo da arte. O filme contempla, ainda, a expectativa pela “utilidade” dos artistas para ajudar a resolver os problemas da comunidade.
À medida que avança na estrada e nos contatos com o povo, a dupla vê crescerem as ambiguidades dessa relação com o cinema – inclusive entre eles, na medida em que Behnaz chega a duvidar das intenções de Panahi com a viagem. Não seria isto apenas mais um filme dele?
3 FACES põe em cena o desejo de cinema da mulher iraniana em três níveis: Marziyeh (Marziyeh Rezaei), a jovem aspirante disposta a quase tudo para realizar seu sonho; Behnaz, a atriz em pleno auge da popularidade; e Shahrzad, veterana atriz e dançarina de antes da Revolução Islâmica, hoje vivendo pobre e proscrita num ermo da aldeia, a ponto de praticamente não aparecer sequer para a câmera de Panahi.
O cineasta tece esses fios sem pressa e em seu habitual envolvimento íntimo com o assunto. No entanto, pela primeira vez em seus recentes filmes semi-autobiográficos, não senti uma vaidade dissimulada por falsa modéstia. Nem a interdição de filmar pelo governo iraniano é mais o dispositivo principal. Ele se mantém em comedido retraimento, deixando o protagonismo para os outros personagens. Os encontros com os velhos habitantes da vila são momentos de uma comicidade impagável, mas que sempre ilustram o pensamento peculiar, os atavismos e contradições de uma comunidade ao mesmo tempo receptiva e fechada em seus dogmas.
Ao contrário da maioria dos críticos internacionais, que acharam 3 FACES um filme menor de Panahi, eu o tenho na conta de seu trabalho mais íntegro e cativante desde que caiu em desgraça junto ao governo do Irã.
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