Música ao Norte

AMAZÔNIA GROOVE

Ela vem do movimento das águas, do canto dos pássaros, dos espíritos da floresta. Ou simplesmente da picardia de uma Gina Lobrista, que vende seus CDs no Mercado Ver-o-Peso montada em beleza e simpatia. A música do Norte é a estrela de AMAZÔNIA GROOVE, o delicioso documentário de Bruno Murtinho, feito em parceria com o músico paraense Marco André, argumentista e diretor musical do filme.

Que eu saiba, o Sudeste não costuma dar muita atenção à música da região amazônica, estigmatizada como regional. No entanto, os ritmos e padrões musicais ali apresentam uma riquíssima mescla de heranças indígenas, caribenhas e da América hispânica, a par de outras correntes ligadas ao pop e ao funk. AMAZÔNIA GROOVE é uma bela introdução a essa diversidade.

Bela em muitos sentidos. Musicalmente, pela alternância de exemplos de excelência que vão do canto rústico de Mestre Damasceno, compositor cego do Marajó (“vou por aí distraindo a tristeza”), ao requinte do violão de Sebastião Tapajós; do “treme” e da “pressão” da aparelhagem de Waldo Squash à suntuosidade da orquestra de Albery Albuquerque devolvendo à Natureza a composição feita a partir do canto do sabiá; do “carimbó chamegado” de Dona Onete à sensualidade da canção de Paulo André Barata. E outros mais.

Bela sonoramente na captação de som direto de Samuel Braga e visualmente na fotografia excepcional de Jacques Cheuiche, que tem aqui um de seus trabalhos mais sofisticados em termos de construção de imagens externas. Imagens calorosas e permeáveis às cores tropicais do Norte. O virtuosístico plano inicial surpreende pelo caráter praticamente anfíbio. Algumas composições visuais potencializam magnificamente o discurso dos personagens e do próprio filme, que é no sentido de integrá-los à paisagem da região.

É curioso ver, no módulo dedicado à mística Dona Onete, um possível diálogo com Santo Forte, de Eduardo Coutinho, que, embora não tenha sido fotografado por Cheuiche, certamente impregnou-se em sua memória artística.

Sem disfarçar sua estrutura de portifólio da música amazônica, o filme contagia pela qualidade do que se vê e se ouve, de ponta a ponta. Pode-se discutir a necessidade de alguns poucos depoimentos professorais que não acrescentam grande coisa e soam como intrusos. No mais, é só prazer e, para muitos, descoberta.

Além de tudo, é um passeio por um Brasil fervoroso, alheio aos péssimos fluidos que vêm corrompendo a alma de grande parte do nosso povo nos últimos anos. A Amazônia, com suas águas grandes e sua música vasta, é também uma reserva de energia boa para um país enfermo.

2 comentários sobre “Música ao Norte

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