Mostra SP: “O Garoto Mais Bonito do Mundo”

O garoto mais infeliz do mundo

Sensação da temporada de documentários, esse filme bem poderia se chamar “O garoto mais infeliz do mundo”. Da adolescência angelical como o Tadzio de Morte em Veneza ao homem envelhecido e decadente de hoje, Björn Andrésen viveu o avesso dos contos de fadas. Enquanto Kristina Lindström e Kristian Petri o filmavam, entre 2015 e 2020, ele estava sendo ameaçado de despejo do apartamento em Estocolmo, rememorando ocorrências traumáticas e confrontando sua “escuridão interior” (a expressão é dele mesmo).

The Most Beautiful Boy in the World ganhou fama, sobretudo, por desvendar o suposto assédio sofrido pelo menino Björn a partir de sua escolha para viver Tadzio no cinema. Os críticos citam sempre a filmagem do teste, em que Luchino Visconti pede que ele tire a camisa diante da câmera e, mais adiante, pose somente com um calção de banho. Tímido, Björn reage com algum espanto antes de obedecer. Seria uma atitude abusiva do diretor ou simplesmente a observação necessária para um ator que deveria filmar cenas de praia representando o ideal absoluto de beleza imaginado por Thomas Mann?

A imensa repercussão do filme e do personagem abriu as portas da fama para Björn. Ele recorda vagamente o cerco de jornalistas e celebridades, incluindo a visita a uma boate gay – onde se sentiu “devorado” por olhares lúbricos – e uma temporada de bajulações em Paris. Nada é explicitado sobre abusos reais, embora reste a sombra eventual de algum acontecimento não relatado. Idolatrado no Japão, Björn gravou disco (em japonês), fez comerciais e inspirou uma geração de autores de mangás. Em Tóquio, ele encarnava o perfeito bishonen (garoto jovem e bonito). Para dar conta de tantos compromissos, conta ter tomado certas “pílulas vermelhas”.

Antes mesmo de “Morte em Veneza”, já faltava beleza à história do “garoto mais bonito do mundo”. Um pai cuja identidade nunca conheceu; uma mãe inspiradora que subitamente desaparece de casa para ser encontrada morta numa floresta meses depois; uma avó que o criou à base de estímulos para brilhar e pegava carona no sucesso do neto. Fatos estes que o documentário levanta em tom bastante lúgubre, guiado pelo temperamento sombrio de Björn Andrésen. Mais tarde, ele viria a perder um filho bebê em circunstâncias que lhe enchem de sentimento de culpa.

Difícil, portanto, mensurar os efeitos, tanto positivos quanto negativos, de sua passagem pelo papel de Tadzio. Pelo que mostra o documentário de Lindström e Petri, qualquer ênfase em abuso gay é mera especulação. Havia até uma ordem de Visconti para quem ninguém sequer “olhasse” para o menino. Em que pese faturar o aroma de escândalo na divulgação, não é este o foco do filme, mas sim o contraste entre o fulgor de um momento – com todas as promessas nele contidas – e os rumos de uma vida marcada por perdas, alcoolismo e depressão.

De todo modo, é o filme de Visconti que sidera a imaginação do espectador. As cenas de bastidores das filmagens de Morte em Veneza são um deleite de cinefilia. Mas as animações e os clipes musicais japoneses com o bishonen não ficam atrás em matéria de curiosidade. O côté pianista deixa no ar indícios de um lado mais luminoso, que não encontra espaço no filme, talvez por não ter tido mesmo espaço na vida de Björn.

>> O Garoto Mais Bonito do Mundo está programado na plataforma Mostra Play.

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