Mostra SP: “Bergman Island”

Diletantismo cinéfilo em Fårö

A ilha de Fårö, na Suécia, se tornou uma espécie de parque temático dedicado a Ingmar Bergman. A razão principal de quem faz turismo por lá é conhecer os cenários desnudos que o cineasta consagrou em alguns de seus filmes. O Bergman Center promove exposições, seminários, sessões de cinema e passeios como “Bergman Safari” e “Bergman on Your Own”. Para quem não pode se abalar até lá, o filme Bergman Island pode ser uma boa consolação.

Mia Hansen-Løve, uma das recentes convidadas das famosas “Bergman Weeks” anuais em Fårö, fez um filme de reverência e pitadas de ironia ao culto ao diretor de Persona. Os protagonistas são Chris (Vicky Krieps) e Anthony (Tim Roth), um casal de cineastas que chega à ilha para desenvolver seus novos roteiros, possivelmente inspirados no universo bergmaniano. Como qualquer visitante, se dedicam a percorrer alguns lugares-chave. O cineminha de Bergman, por exemplo, ou o túmulo do casal Ingrid-Ingmar, de uma singeleza calvinista. Hospedam-se, ora vejam, no quarto em que foi filmada boa parte de Cenas de um Casamento.

A relação estremecida entre Chris e Anthony reflete obliquamente a união entre Mia Hansen-Løve e Olivier Assayas, que durou entre 2002 e 2017. O aspecto “familiar” se estende a aparições como a do crítico e cineasta Stig Björkman, amigo próximo de Bergman, e do produtor Ingmar Bergman Jr., filho de Ingmar e da atriz Gun Grut, que dá as caras anonimamente num barco perto do final.

Embora as paisagens da ilha sejam bastante exploradas em caminhadas e passeios de bicicleta, não há interesse em pontuar locações dos filmes de Bergman. Bem ao contrário, a cena do tal “Bergman Safari” demonstra a frustração habitual desses tours cinematográficos onde não se encontram sequer vestígios do que aparece nos filmes. O culto a Bergman, aliás, recebe algumas lambadas. Discute-se a sua fama de mau marido e todo aquele frisson em torno do diretor. “Fuck Bergman!”, rebate alguém. Numa estrada qualquer, três pessoas idosas demonstram não ter ideia de quem seja Ingmar Bergman.

A certo ponto, Chris passa a narrar para Anthony o seu roteiro, que então é colocado em imagens. Dois ex-namorados de adolescência (Mia Wasikowska e Anders Danielsen Lie) se reencontram como convidados de um casamento em Fårö. Esse filme-dentro-do-filme possui o calor e a intensidade que faltam à história principal. Enquanto os cineastas se distanciam entre si, física e emocionalmente, o casal dentro do roteiro vive uma sofrida impossibilidade amorosa.

Bergman Island tem um sabor de diletantismo cinéfilo, com lugares-comuns de conversas sobre Bergman. Chris diz-se angustiada com seu processo de criação e alega que os filmes do sueco a machucam tanto quanto a agradam. Não faltam as costumeiras “confusões” entre criador e criatura, realidade e invenção. Obviamente, personagens do filme-moldura vão aparecer no filme imaginado – ou estaria sendo filmado?

Um quase gran finale é reservado à casa em que Bergman morava. É sempre deliciosamente fetichista entrar naquele lugar, que já foi objeto de alguns documentários. Aqui, porém, o artificialismo e a inconsistência de Bergman Island jogam contra nosso prazer em penetrar no “santuário” mais uma vez.  

>> Bergman Island está na plataforma Mostra Play só até a 0:00 de quinta-feira.

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