Conversa com o silêncio

Escrevi esse texto para o catálogo da exposição individual Conversa com o Silêncio do meu amigo moçambicano Aldino Languana no Núcleo de Arte de Maputo, que se encerra no próximo dia 29:

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Slideshow com sete telas de Aldino Languana

Primeiro foi o cinema. Conheci Aldino Languana em 2010, quando ele veio ao Rio de Janeiro trazendo seu documentário “Timbila & Marimba Chope” num evento do DOCTV CPLP. A amizade foi imediata. Passamos a nos corresponder e trocar muitas ideias sobre cinema brasileiro e moçambicano. A certo ponto, eu achava que já conhecia o Aldino.

Mas eis que, um ano depois, desembarco em Maputo para visitar Moçambique. Regiamente recebido pelo meu amigo, descubro então que existia um outro Aldino Languana – ou talvez uma outra expressão do mesmo Aldino, esta mais sensual, mais colorida e mais misteriosa que a do cinema. Em sua casa, pela primeira vez me deparei com suas aguarelas, acrílicos e pastéis. Foi uma revelação.

Longe de mim querer mostrar-me crítico de artes plásticas, o que não sou. Meu olhar sobre as telas do Languana é de um simples apreciador, aquele que vê as coisas pela lente do coração. É assim que me chega esse universo febril de cores e formas que desafia nossa sensibilidade. Um mundo que resiste à síntese, tal é sua riqueza de sugestões figurativas e estéticas.

Não vejo fronteiras entre homens, animais e plantas nesses arranjos polimorfos onde uma mulher pode ceder sua metade ao corpo de uma ave. Todos se amalgamam numa trama de profunda sensualidade, onde tampouco falta magia. Os corpos humanos dançam ou gravitam em espaços surreais, ou então se bifurcam e se desdobram picassianamente. As galinhas, outras aves e animais ganham protagonismo, como a unirem o mais prosaico das machambas (o campo em Moçambique) à esfera do maravilhoso.

As telas do Languana nos convidam a passear por elas. Muitas, senão a maioria, não se deixam apreender pelo olhar diletante de quem tenta ver tudo de uma vez e rapidamente. É preciso percorrer o perímetro de cada pintura em busca de elementos que se organizam não como uma mera exposição cênica, mas sim como uma galáxia de referências. Um cosmos próprio. São telas que requerem a disposição de mergulhar naquela profusão de traços, manchas e cores a fim de se mostrarem por inteiro. Deixando quase sempre um retrogosto de mistério.

E que cores!

Aldino é um sábio colorista, capaz de arrebatar nossos sentidos pelas combinações intrépidas de sua palheta. Cor, em Aldino, me parece equivaler a movimento, choques brutais ou conjunções inesperadas. Críticos de arte verão muito mais em seus trabalhos. Para um mero admirador da beleza como eu, essa Conversa com o Silêncio sacia a visão e excita a imaginação.

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