Em 2010, a pesquisadora Sermin Ildirar descobriu nos confins da Turquia moradores de uma aldeia que jamais tinham visto sequer televisão, muito menos cinema. Ela fez filmagens elementares com alguns deles e pediu a outros que descrevessem o que viam. Estes não conseguiam compreender o sentido dos cortes, pois cada tomada lhes parecia desconectada da outra. Só quando se estabelecia um esboço de narrativa ou se associavam os planos com um áudio é que eles percebiam continuidade, simultaneidade, etc.

A experiência é contada em O Cinema por Dentro (The Cinema Within), filme-ensaio de Chad Freidrichs sobre a percepção humana da montagem, o mais desnorteador recurso do cinema. Para neurocientistas e psicólogos, por exemplo, ainda é um mistério como os primeiros espectadores puderam decifrar o “passe de mágica” com que, num piscar de olhos, uma imagem dava lugar a outra em lugar e tempos diferentes. Algo que nunca tinha se apresentado antes aos olhos dos homens.

Seria a compreensão da montagem uma habilidade natural das pessoas, a par de suas vivências cotidianas? A pergunta pode soar acaciana para quem estuda cinema, mas se reveste de interesse quando, como aqui, ganha certo questionamento e uma roupagem de luxo. Pois Chad Freidrichs explora a própria linguagem do seu filme para ilustrar o que está sendo discutido. Assim, ouvimos considerações interessantes como as do célebre montador Walter Murch, autor do livro Num Piscar de Olhos, ou do teórico e historiador David Bordwell (1947-2024) enquanto experimentamos visualmente as questões colocadas. Há mesmo um ator no papel de Walter Murch quando jovem durante uma palestra que gerou o seu livro.

A relação entre corte e piscar de olhos rende boas conversas, inclusive com uma pesquisadora japonesa especializada em piscadas. Eu não imaginava que os estudos da mise-en-scène cinematográfica abrangessem a frequência com que o espectador pisca os olhos durante uma cena, o que supostamente se altera quando a mesma cena é vista de novo.

Para além da teoria e da ciência, O Cinema por Dentro vale também como um belo passeio por cenas antológicas do cinema. Entre elas, a sequência de abertura de Cidade de Deus, em que a perseguição da galinha estimula nossa percepção visual a um ponto de excelência.

05/04/2024 às 15h00- Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)
12/04/2024 às 14h00- Estação Net de Cinema Botafogo
13/04/2024 às 16h00- Espaço Itaú de Cinema Augusta
14/04/2024 às 14h30- Cinemateca Brasileira (Sala Grande Otelo)