É Tudo Verdade: Cento e Quatro

Há pouco vimos no cinema a saga de dois garotos africanos refugiados em Eu, Capitão. Tínhamos ali toda uma dramaturgia do sonho, da resiliência, do heroísmo e da salvação. O documentário Cento e Quatro (Einhundertvier) dispensa todo aparato fabulatório para transmitir a angústia real de um resgate no mar em agosto de 2019. Do ponto de vista dos que faziam o resgate.

Durante dramáticos 93 minutos, acompanhamos a operação em seis telas simultâneas e tempo real. Um navio alemão se aproxima de um bote de plástico que carrega 104 refugiados de países africanos e está prestes a afundar. Os minutos estão contados, e é preciso acalmar os 104 homens que estavam à deriva sem motor e sem alimentos havia três dias, já com perdas de vida a bordo. A logística exige que eles primeiro recebam os coletes salva-vidas para então serem transferidos em grupos pequenos e sucessivos por meio de um pequeno bote.

A tela se divide em três instâncias: o navio que os receberá, o bote que os transporta e a passagem da embarcação arruinada para a salvação. Não há qualquer elemento adicional além das parcas informações finais sobre a ancoragem. E a ironia de ver um dos refugiados, o líder improvisado que fala inglês, vestido com uma camiseta “Fly Emirates”.

O suspense se avoluma quando um navio da guarda costeira líbia tenta se aproximar, colocando em pânico os refugiados. Eles estão em águas internacionais, mas sua captura pelos líbios poderia resultar em prisão, tortura e tráfico humano. Malta e Itália, por sua vez, relutam em autorizar o desembarque, o que estende ainda mais o processo de resgate.

O filme de Jonathan Schörnig abre mão da retórica em benefício do material bruto. A nós resta a liberdade de escolher o ângulo de visão a cada momento, como num filme que esteja sendo montado diretamente pelos nossos olhos. Certamente as atenções se dividirão entre os resgatados e a moça que conduz os primeiros contatos com eles, num trabalho de titã.

Alguns acharão que Cento e Quatro estaria melhor como instalação num museu. Mas a experiência de testemunhar a retirada de cada um daqueles homens não deixa de se realizar com intensidade, mesmo na tela do cinema.

05/04/2024 às 16h00- Estação Net de Cinema Botafogo
07/04/2024 às 13h00- Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)
09/04/2024 às 14h00- Espaço Itaú de Cinema Augusta
10/04/2024 às 17h00- IMS Paulista

Deixe um comentário