A parteira heroica

MADAME DUROCHER

A ótica feminista domina essa cinebiografia de Marie Josefina Mathilde Durocher (1809–1893), a primeira mulher a entrar para a Academia de Medicina no Brasil. Sua postura desafiadora se manifesta desde a juventude, poucos anos depois de imigrar da França para o Rio de Janeiro, então a capital do Império português. Madame Durocher inicia aí seu longo périplo pela vida de Marie, quase numa abordagem do berço ao túmulo.

Protegida por um médico negro e respeitado (André Ramiro), Marie aprende a fazer partos e consegue ser aceita na Escola de Medicina. Aceita em termos, uma vez que enfrentou a misoginia dos acadêmicos e o preconceito com relação ao ofício de parteira, considerado uma especialidade “menor”. Com raras exceções, os homens a hostilizam e discriminam, sejam eles professores, colegas ou mesmo pacientes.

Marie (Jeanne Boudier e depois Sandra Corvelone) quebra a sua linhagem de mães solos, casa-se e tem um filho, fica viúva precoce e passa a se vestir com roupas masculinas para se impor no métier. Uma determinada cena sugere que ela teria sido seduzida pelo lesbianismo. Chega a ser chamada para fazer o parto do neto do Imperador Pedro II. A epidemia de cólera não a impede de frequentar os sanatórios para atuar como médica. Enfim, é o retrato de uma mulher de fibra, uma heroína mesmo.

Em paralelo, o filme trata de sua relação com as mulheres escravizadas, num misto de patroa e amiga solidária. Soma-se a isso o vínculo de Marie com o filho, que é convocado para a Guerra do Paraguai. O trabalho de parteira e a maternidade permanecem como subtema até o final, unindo as pontas de uma sociedade escravocrata.

A dupla de diretores Dida Andrade e Andradina Azevedo (ambos homens) já traz no currículo filmes como A Bruta Flor do Querer e Eike – Tudo ou Nada. Neste novo trabalho, oferecem uma produção bem cuidada dentro dos padrões mais convencionais do filme de época. A direção do elenco é eficiente, com a virtude de ter atores brasileiros se expressando em bom francês. No entanto, a curva temporal muito ampla e o acúmulo de subplots acabam por prejudicar a densidade do filme, que resulta muito episódico e novelesco, como se fosse uma minissérie condensada. Além disso, grande parte dos diálogos soam explicativos ou discursivos, deixando muito clara a intenção de passar mensagens de cunho progressista. O tom empostado não contribui para trazer os personagens para mais perto de nossa empatia.

>> Madame Durocher está nos cinemas.

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