Peço licença hoje para um pouco de orgulho pessoal. Transcrevo abaixo um comentário que recebi em forma de e-mail do crítico Ely Azeredo a respeito do meu programa de TV sobre Jurandyr Noronha:
Caro Carlinhos,
Um mural na cabeça de uma agulha. Foi o que pensei ao ver Jurandyr Noronha – Tesouros Quase Perdidos.
Revendo, fico impressionado em dobro.
Primeiro, como Jurandyr conseguiu – além de tudo o que a vida exige do dia-a-dia (a “burocracia” do sobreviver) – realizar tanta coisa em uma sucessão de terrenos difíceis, como o velho INCE (em que tudo ficava à sombra de Humberto Mauro) e o INC dos primeiros tempos, tão dependente de magros orçamentos etc.E ele conseguiu articular o abrangente Panorama do Cinema Brasileiro quando o Instituto Nacional do Cinema era muito combatido, em um país dividido pelo golpe militar, e onde havia tantos preconceitos contra as correntes “A”, “B”, “C” et caterva da produção nacional. Acresce um dado que poucos conhecem: o documentarista dirigiu o Panorama sem ter controle absoluto sobre o desenvolvimento do projeto.
Uma das interferências: presente à pré-estréia oficial do Panorama no cinema Palácio, a esposa do ministro da Educação se chocou com a cena de Noite Vazia, de Walter Hugo Khouri. Era o momento em que os dois protagonistas masculinos insinuam uma fantasia erótica às garotas de programa (que no filme não vai além de um beijo). Posteriormente a cena foi substituída por um flash-back inocente e sem muita expressão no contexto de uma antologia.
Três longas-metragens de pesquisas (Panorama, 70 Anos de Brasil e Cômicos + Cômicos) em um país tão carente de memória e de acervo. Acho que o que pode haver de “criticável” nesses filmes chega a ser um dado secundário frentre ao fato de que o cineasta concretizou as antologias.
Em menos de meia hora vocês conseguiram mostrar como ele fundou a pesquisa da memória audiovisual. Como ele descobriu o Cinema. Como cresceu seu amor às coisas e gentes de um país tido como inviável. Como foi operário da Cinearte (escrevendo nas colunas de “Cinema Amador” e “Cinema Educativo”). Como se tornou um documentarista importante começando como “catador” da irresponsável “lixeira” de nossa memória; “Bombeiro” dos salvados de incêndios e enchentes que pontilham a história de nossos estúdios e arquivos.
Jurandyr realizou tanta coisa que o “desaparecimento” de seu Museu do Cinema em dependências do Museu de Arte Moderna do Rio – apesar das características da tragédia grotesca em três “atos” (criminosos) – não abre uma cratera tão grande em seu território.
E só com mais de 90 anos um homem desses recebe uma homenagem fílmica!
Sempre achei que faltava um Grande Prêmio para Jurandyr. E eis que você, com Eduardo Souza Lima & Cia., dispensam o MinC, o Planalto, as academias, e “fecham o débito” da pátria.
Se eu fosse “autoridade” mandava passar esse curta em praças públicas.
Mas sou suspeito.
Afinal, tenho que confessar: Jurandyr é meu herói. Pelo menos é o único herói histórico que me distingue com sua estima. E isso é bom demais.
EM TEMPO – Entre as revelações de Jurandyr Noronha – Tesouros Quase Perdidos há uma que eu desconhecia: a de que a ideia de realizar um filme como o Panorama foi sugerida ao documentarista pelo crítico Flávio Tambellini, mentor do projeto de criação do Institito Nacional do Cinema, quando diretor do Instituto Nacional de Cinema Educativo.Ely Azeredo
é muito orgulho, meu amigo.