Mercado também é cultura – e livros

Por muito tempo desdenhado como fator de interesse menor, o mercado começa a frequentar os estudos sobre cinema brasileiro. Uma maior profissionalização dos setores de produção, distribuição e exibição, com a fixação de uma proto-indústria após a Retomada, pode responder por isso. Até os profissionais do ramo se mobilizam, como é o caso da produtora Iafa Britz, do distribuidor Rodrigo Saturnino Braga e do exibidor Luiz Gonzaga Assis de Luca, que lançaram há poucas semanas o livro Film Busine$$, O Negócio do Cinema (Elsevier Editora).       

Mas o crescimento do interesse geral pela economia da cultura no âmbito da academia ajuda, e muito, a explicar essa nova onda de pesquisas, dissertações e publicações. Nessa área, o nome de Alessandra Meleiro e da editora Escrituras têm sido incontornáveis. Autora de O Novo Cinema Iraniano – Arte e Intervenção Social (2006), ela organizou em 2007 a coleção Cinema no Mundo, cinco pequenos livros sobre as relações entre indústria, política e mercado nos cinco continentes. Mais recentemente, assumiu a organização da coleção Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira, cujos três primeiros volumes enfocaram Cinema e Políticas de Estado, Cinema e Economia Política e Cinema e Mercado.

Três novos títulos foram agora incorporados à coleção pela Editora Terceiro Nome, como resultado de um concurso promovido pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. O I Prêmio SAV para Publicação de Pesquisa em Cinema e Audiovisual elegeu seus vencedores entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e pesquisas independentes.

Os três livros terão um lançamento nesta sexta-feira no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, dentro do festival Arariboia Cine.

Dos três o mais abrangente é O Filme nas Telas, de Hadija Chalupe da Silva, uma análise penetrante das formas como o filme brasileiro chega até o público. A autora examina em profundidade a distribuição, lançamento, promoção e exibição de cinco filmes lançados em 2005, com perfis diferentes de aproximação do mercado: Dois Filhos de Francisco, Cidade Baixa, Casa de Areia, Cabra-Cega e Cinema, Aspirinas e Urubus. A partir desses cases, Hadija analisa não só os métodos de circulação específicos, como também as transformações institucionais que afetaram a performance do cinema brasileiro entre o período da Embrafilme e a era da Ancine, das leis de incentivo e da Globofilmes. Entre suas conclusões, ela cita a necessidade de uma política governamental que promova a integração público/filme, como também a urgência com que os profissionais de cinema precisam considerar produção, distribuição e exibição como atividades fundamentalmente dependentes entre si, em vez de “blocos” distintos.   

Em Economia da Cultura e Cinema – Notas empíricas sobre o Rio Grande do Sul, Leandro Valiati estuda o mercado cinematográfico gaúcho em paralelo com o mercado nacional. Trata-se do quarto maior mercado estadual e o maior fora da região Sudeste. Porto Alegre é a capital brasileira com melhor relação de salas de cinema per capita, uma para cada 21 mil habitantes. Isso justificaria a escolha regional para chegar a conclusões que valeriam para outros estados. Leandro abre seu caminho entre gráficos e tabelas, levando em conta as ópticas da oferta, da demanda e do mercado de trabalho. O exaustivo levantamento de informações é assim elogiado por Gustavo Dahl no prefácio do livro: “Dados não são uma preferência nacional, daí o grande mérito de se correr atrás deles”.

Pode soar exagerado para um concurso como este da SAV, mas o mercado gaúcho também está no foco do terceiro estudo, Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos, de Alice Dubina Trusz. A historiadora foi às fontes primárias (imprensa da época, basicamente) para levantar as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre. O livro faz um misto de historiografia e crônica do período 1861-1908, quando as exibições de lanternas mágicas, panoramas e parafernálias óticas precederam e depois conviveram com a chegada do cinema. A passagem da “tradição lanternista” para a exibição itinerante e depois o cinema sedentarizado em salas permanentes permite à autora traçar uma evolução das maneiras como as atrações do movimento foram exploradas comercialmente e percebidas socialmente numa localidade e num intervalo de tempo específicos.  

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