A Juventude e a Amada Morta

Depois do Oscar por “A Grande Beleza”, Paolo Sorrentino entrou para o rol dos diretores que podem pedir qualquer coisa. Para A JUVENTUDE, seu último filme, ele levou um elenco excepcional aos Alpes Suíços para filmar um roteiro cheio de referências pontiagudas ao mundo das celebridades e à persona dos próprios atores. Sir Michael Caine vive um maestro aposentado que recusa o título de “Sir” e prefere reger as vacas montanhesas a aceitar um convite da rainha da Inglaterra para se apresentar em Buckingham. Harvey Keitel, seu amigo de longa data, é um veterano cineasta decadente às voltas com a finalização de um roteiro para seu filme-testamento. Paul Dano faz um ator pretensioso que se isola para estudar um papel banal. A cantora britânica Pamela Faith interpreta um estrela pop vulgar, mas que se diz boa de cama. Há lugar ainda para uma Miss Universo, um monge levitante e um alterego obeso de Maradona que desfila imensas barriga e tatuagem de Karl Marx pelo spa onde todos estão reunidos. As termas de “Oito e Meio” não podem deixar de ser lembradas, pois Sorrentino não disfarça mais a ambição de ser o novo Fellini. O clímax de todo esse circo chique é uma estupenda discussão entre Keitel e Jane Fonda, esta no papel de uma atriz macróbia sem plásticas na pele nem papas na língua.

A exuberância cênica de Sorrentino está presente a ponto de descambar para o exibicionismo, como na cena da Praça de San Marco inundada. Chama atenção o fosso existente entre as histórias relativamente simples que ele conta (crise criativa, comprometimento com a própria arte, mágoas familiares, memória e envelhecimento) e as mil vinhetas exóticas que espalha pelo filme, podendo tanto encantar quanto atravancar o fluxo. É divertidíssima a interação entre Caine e Keitel, às voltas com problemas de próstata e velhas questiúnculas pessoais, na base do buddy film. A relação de Caine com a filha (Rachel Weisz), desprezada pelo namorado, também rende ótimos momentos de comédia dramática. Mas o filme se move entre diversos gêneros, incluindo videoclipe, sátira de ricos em férias e sequências estetizadas que parecem saídas de alguma ópera de Bob Wilson.

Sorrentino sabe como encher os olhos da plateia e convencer os críticos de que está falando coisas muito importantes sobre a condição humana. Talvez no futuro seja lembrado como um maneirista brilhante ou um belo caricaturista do homem contemporâneo. Por enquanto, é o cinema europeu elevado a sua potência máxima de ostentação.



PARA MINHA AMADA MORTA parte de um forte argumento de filme noir para chegar a um estudo austero sobre aceitação e renascimento. Um fotógrafo criminal em luto pela morte da mulher descobre uma evidência de que ela o traía e sai no encalço do outro homem. A expectativa de uma vingança violenta logo se mistura com a descoberta de alguma coisa bem mais humana do que o simples ingrediente de filme de gênero. É quando Aly Muritiba estabelece o diferencial desse seu primeiro e sólido longa: um suspense a respeito não das ações, mas do caráter e da consciência dos personagens. Ao aproximar-se do amante da mulher e da família dele, Fernando parece descobrir uma faceta de si mesmo, que apenas não chegou a viver. Daí ele ficar à deriva entre os projetos de revanche e de identificação.

É admirável a economia de meios com que a história é narrada, deixando o passado por conta de leves insinuações da direção de arte e alguns poucos diálogos. As falas são esparsas e cedem lugar a uma composição dramática visual minuciosa, que enche os silêncios de significados. No papel do viúvo arrasado, Fernando Alves Pinto concorre com o que tem de melhor, que são o laconismo e a imagem de desamparo. Um efeito discutível dessa opção é que a afasia do personagem parece às vezes um tanto exagerada, como a forçar um certo modo de encenação. Além disso, o seu comportamento enigmático se estende além da conta e custa demais a inquietar a família de Salvador.

Fora de discussão é o caráter raro desse filme no cinema brasileiro atual – seja pela habilidosa escritura do roteiro (também de Muritiba), onde se entrelaçam motivações religiosas, sugestões policiais e drama de obsessão fetichista, seja pela realização concentrada, de planos impecavelmente planejados e um controle que revela absoluta maturidade.

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