Nos anos 1960 floresceu um surto de bangue-bangues nordestinos ligados ao cangaço, que o crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva em boa hora batizou de “nordestern”. Talvez seja justo dizer que agora temos um belo exemplar do que poderia ser chamado de “minestern”, o western feito em Minas. Estou falando de Faroeste, filme de Abelardo de Carvalho que estreia no Canal Brasil nesta terça, 5 de abril, às 22 horas, com reprise no sábado, à meia-noite.
Carvalho optou por não colocá-lo nos cinemas devido à falta de recursos para fazer um bom lançamento. É uma pena, pois Faroeste tem inequívoca vocação para a tela grande, com sua proporção panorâmica muito bem aproveitada na esplêndida fotografia de Vinicius Brum. Isso não retira, porém, o prazer de vê-lo na TV, até porque, no fundo, se trata de um faroeste intimista.
Rodado em Pains e outros municípios do centro-oeste de Minas, baseia-se no romance Bestiário, do próprio diretor. A trama, ligeiramente barroca, gira em torno de Luís Garcia, figura real da região nos anos 1940, homem soturno e meticuloso, tido por uns como herói e por outros como encarnação viva do Mal. Luís Garcia (Wladimir Winter) se enamora da filha de um coronel (a mui formosa Manu Mangaravitte) e se lança à cata do ouro enterrado nas tumbas da comunidade cigana. Seu comportamento desabrido e ao mesmo tempo misterioso o coloca na mira dos ciganos, dos latifundiários e da polícia. “Quem não conheceu aquele homem sabe muito pouco sobre o silêncio”, diz alguém sobre ele.
O vesgo Luís Garcia é um personagem frequentemente associado à morte e a símbolos religiosos. Ele desafia a mineiridade profunda dos tementes a Deus e aos poderes constituídos. Sua história é contada pelo fiel escudeiro, um sanfoneiro sem nome (Dellani Lima em ótima atuação), numa espécie de confissão pública após a emboscada que abre o filme e o deixa ferido. A relação entre os dois homens, vamos saber, passou por momentos extremamente delicados que testaram os limites da amizade. E é desse ponto de vista que conheceremos Luís Garcia.
Apesar de guiado por essa narração algo romanesca, não é no verbal que Faroeste melhor se realiza. Os diálogos foram inteiramente dublados num tom televisivo que não é dos mais agradáveis. Felizmente, a força do filme está em sua visualidade exuberante e no excelente aproveitamento das locações externas e da direção de arte. Esta é, quero crer, a mais vistosa produção de que a Cavídeo já participou.
Faroeste mostra domínio das figuras de linguagem do gênero, lembrando ora o estilo de Sergio Leone, ora o dos westerns melancólicos de Clint Eastwood e Sam Peckinpah. Se a iconografia é do western, o ritmo, porém, é diferente. Em vez de pautar-se pela ação, Carvalho procura criar atmosferas e explorar a sensualidade da imagem em cenas mais distendidas. Muitos momentos sugerem um ritual de signos saturados de memória cinematográfica, como as cavalgadas, as pausas diante de uma fogueira, os planos ascendentes sobre corpos de pé ou o idílio amoroso num bosque.
O filme é pontuado por bravuras cênicas, protagonizadas por uma câmera quase sempre muito rigorosa, mas que às vezes arremete no espaço em visões subjetivas e lança explosões de luz nos olhos do espectador. Os tons de dourado, prata e negro predominam, com uma bonita invocação das sombras, enquanto a horizontalidade das externas apela a uma mítica dos grandes espaços.
Outra suposta categoria para esse filme seria a do melo-western, seja pela subtrama romântica e de ciúme, seja pela presença maciça da música ora langorosa, ora trovejante de Bernardo Uzeda, autor de todo o desenho sonoro.
As salas de cinema perderam a chance de exibir um espetáculo que encheria a tela de beleza. Mas o western brasileiro ganhou um exemplar imperfeito certamente, mas sem dúvida original e, em alguns momentos, até mesmo grandioso.