Atores em estado de vida

Sobre VERMELHO RUSSO e O NOVATO, dois ótimos filmes marcados por atuações muito próximas da vida

Com seu jeito descontraído, vagueando entre a encenação ficcional e o improviso documental, VERMELHO RUSSO faz uma ponte interessante entre o Sistema Stanislavski de representação e o hibridismo do cinema contemporâneo. Em ambos os processos, trata-se de aproximar atuação e vida real, ator e personagem. O segredo é saber a medida e a direção em que se dá essa aproximação.

Para isso Martha Nowill e Maria Manoella chegam a Moscou, matriculadas num workshop com o ator e professor de teatro Vladimir Poglazov. Lá se juntam à atriz e ex-pinup portuguesa Soraia Chaves. A harmonia entre as duas grandes amigas vai ser rompida com a aparição de Michel Melamed e a formação de um triângulo amoroso.

O grande barato do filme é a aparente indistinção entre o que Martha e Manu são na realidade e o que vivem no filme. O diário de viagem de Martha Nowill a Moscou serviu de base para o roteiro, premiado no Festival do Rio. Na mesma zona fronteiriça ficam os personagens coadjuvantes. Diversas situações, como as instruções de Poglazov, um concerto na embaixada brasileira e os contatos com uma antiga e octogenária dirigente da Mosfilm, são inserções verídicas na trama principal. Assim também os passeios e interações das moças por Moscou se beneficiam do frescor do inesperado.

Mas tudo isso seria apenas superfície (como era no primeiro longa de Charly Braun, o fraco “Além da Estrada”) se não houvesse uma conexão mais profunda entre as experiências da vida e do palco. Pois Martha e Manu carregam seus afetos e conflitos para as personagens que interpretam em “Tio Vania”: a bela mas infeliz Elena e a alegre mas complexada Sofia.

O filme tem muitas camadas, e a menos interessante é a de um documentarista em cena, um alterego do diretor. De resto, a fluência da narrativa e o verismo radical das atuações nos fazem acompanhar prazerosamente a dança de progressos e percalços que se desenvolve entre os dois planos de representação. Sem falar nos ecos de “As Três Irmãs”, que ampliam a presença de Tchekhov e o escopo desse ensaio semificcional sobre os limites da amizade.



É tão difícil ver crianças falando, agindo e pensando como crianças no cinema. O NOVATO nos dá esse prazer raro. Não são adultos em miniatura vivendo questões adultas em versão light, nem tampouco idealizações de crianças adoráveis. Mesmo o bullying não é mostrado como o vilão costumeiro, determinante de uma futura vida de infelicidades.

No entanto, as dores e alegrias da infância estão todas lá, enquanto o tímido Benôit tenta criar seu lugar na nova escola junto a outros “excluídos” como ele. O amor não correspondido, as gafes sociais, a solidariedade, as tentações do egoísmo, o aprendizado da superação. Tudo isso é veiculado numa comédia hilariante, ao mesmo tempo terna e dura no modo como trata o seu tema.

Obviamente, o elenco é o grande trunfo desse primeiro longa dirigido pelo ator Rudi Rosenberg. Uma direção excepcional extrai de cada menino ou menina as inflexões mais justas e um trabalho de conjunto admirável. A compreensão das sutilezas e contradições de cada personagem afasta o risco da caricatura, que tanto afeta o gênero do filme escolar. O NOVATO bate nas teclas certas e consegue encontrar o caminho possível entre um final feliz e infeliz. Como aconteceu com a infância da maioria de nós.

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