HISTÓRIAS QUE NOSSO CINEMA (NÃO) CONTAVA
A pornochanchada passou à memória cultural brasileira como um interlúdio de vulgaridades e sucesso popular. Mas o trabalho de Fernanda Pessoa em HISTÓRIAS QUE NOSSO CINEMA (NÃO) CONTAVA joga outra luz sobre o gênero. Ao pinçar cenas de cunho político e comentários sociais diluídos na farândula cômico-erótica de dezenas de filmes, ela nos mostra que a pornochanchada às vezes falava sério.
As cenas isoladas do seu contexto narrativo e ordenadas segundo blocos temáticos facilitam essa percepção. Assim é que, entre mulheres nuas e homens babando por elas, fala-se também de colonização cultural, desemprego, greves, recessão, migração interna, exploração capitalista e quetais. Há referências irônicas ao desenvolvimentismo da época ditatorial, assim como à censura, à guerrilha e à tortura. Assuntos como aborto, feminismo, consumismo, homossexualidade, drogas e religião também eram tratados na forma de sátira ou mesmo de pílulas desajeitadamente dramáticas em meio à sacanagem dominante.
O documentário enseja um mergulho nos anos 1970 e 1980, seus figurinos, cabelos e paisagens urbanas. Junto com tudo isso vem o autoritarismo machista da época, responsável justamente pelas tiradas mais divertidas e desconcertantes. A pornochanchada era marcada pela leva autoritária vigente na sociedade, mas eventualmente se insurgia contra isso no limite entre a piada e o protesto.
O filme de Fernanda já foi chamado de “o lado B do ‘Cinema Novo’, de Eryk Rocha”. Talvez seja mesmo nesse desejo de opinar sobre a realidade, ainda que de maneira submissa ao comercialismo, que a pornochanchada flerta com o cinema politizado que se fazia em paralelo.
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