A internet sinistra

YONLU e FERRUGEM tematizam a face perversa da grande rede

YONLU é mais um filme brasileiro a explorar a subjetividade juvenil na era da internet. Mas, ao contrário de Ferrugem, que adotou um enfoque próximo do melodrama (leia abaixo), este longa gaúcho aproxima-se mais da experiência de Murilo Salles no excepcional Nome Próprio.

O que temos é um desejo veemente de aventurar-se na representação do inconsciente de Vinicius Gageiro Marques, vulgo Yonlu, o jovem compositor poliglota que se suicidou aos 16 anos, em 2006, auxiliado por um fórum de suicidas na web. A visualização da rede é sinistra, com internautas de rosto coberto num galpão filmado com câmera de visão noturna. O fluxo mental de Yonlu chega à tela em angulações e composições surpreendentes, edição de imagens não linear e uma cacofonia audiovisual muito sugestiva.

Com isso, o filme de Hique Montanari consegue sintetizar o pensamento, a angústia misantrópica e o talento do personagem, assim como a gradual elaboração da ideia do suicídio em sua psique. O balanço entre ficcionalização poética e enraizamento documental parece bastante equilibrado, sendo expressivo o uso dos desenhos, músicas, textos, reflexões e objetos originais de Yonlu num amálgama de encenação, animação, clipe musical e experimentação.

Uma nuvem de melancolia e suave alucinação percorre as canções e as densas imagens do filme, pilotadas por um ator (Thales Cabral) muito bem ajustado ao papel. Se há um senão em YONLU é o risco de romantizar um acontecimento trágico.


Dividido em duas partes, FERRUGEM pretende dar conta de dois lados do vazamento de dados privados na internet: o das vítimas e o dos algozes. Na primeira, acompanhamos o dia a dia da menina Tati (Tiffany Dopke) e seu flerte com o colega Renet (Giovanni de Lorenzi), interrompido bruscamente pela divulgação de um vídeo erótico dela com o namorado anterior num grupo de Whatsapp da escola. O inferno do bullying se instala na vida de Tati de uma maneira que ela não consegue suportar. A segunda parte ocupa-se de Renet e seu sentimento de culpa por uma possível participação no vazamento.

Realizado com os cuidados habituais do diretor paranaense Aly Muritiba, FERRUGEM padece, porém, de sérias fragilidades. Para começar, chega atrasado no tema, já explorado em diversos filmes sobre esse aspecto da adolescência. Não traz um viés novo, nem uma estrutura dramática que vá além dos desdobramentos esperados.

Além disso, a primeira parte se esvai em lugares-comuns da fixação digital e do bullying, enquanto a segunda se arrasta numa vagarosa celeuma ética e afetiva de Renet com seus pais separados (Enrique Diaz e Clarissa Kiste). A apatia do rapaz não contribui para um maior envolvimento da plateia com seu dilema, deixando a sensação de um conflito interior que não consegue passar para a tela.

Registrem-se, ainda, algumas incongruências do roteiro, como a coincidência no encontro súbito do rapaz desaparecido e a hipótese, totalmente implausível, de que a própria Tati houvesse espalhado o vídeo comprometedor. Aly Muritiba é um cineasta sensível e capaz, mas nessa tentativa de tratar um tema “da hora” ele ficou bem distante do seu admirável Para Minha Amada Morta.

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