Haiti, Aznavour

O QUE HÁ EM TI no Festival Dobra e AZNAVOUR POR CHARLES no In-Edit


Ai de ti, Haiti

Se tratada por um documentário tradicional, a célebre cena do haitiano decretando o fim do governo Bolsonaro em março último motivaria uma pesquisa sobre as origens do rapaz, como ele chegou ao Brasil, por que estava no cercadinho do Alvorada naquela noite, etc. Nas mãos de um experimentador como Carlos Adriano, a cena se desdobra de forma bem diferente. Nos 16 minutos de O QUE HÁ EM TI (em cartaz no festival Dobra), voltamos ao que marcou a relação entre o Brasil e o Haiti nesse começo de século XXI.

A Minustah (missão da ONU para a estabilização do Haiti) foi comandada por generais brasileiros como Augusto Heleno e Santos Cruz, hoje integrantes de ponta do governo fascista. Heleno era o chefe quando os militares invadiram a favela de Cité Soleil e perpetraram um massacre na população. Carlos Adriano conecta esses pontos à base de materiais de arquivo e intervenções características do seu estilo sobre as imagens do diálogo no Alvorada.

É talvez o filme mais diretamente político do autor, ritmado pela canção Haiti, de Caetano e Gil. Na colagem pulsante e indignada há lugar também para Sousândrade, Orson Welles (com seu Voodoo Macbeth haitiano), Maya Deren e Jonathan Demme, entre outras obras que se referem ao Haiti e eventualmente também ao Brasil.

O curta integra o programa “Ninguém é Cidadão”, com curadoria da francesa Nicole Brenez, especialista em filmes de vanguarda. Para Nicole, O QUE HÁ EM TI é “uma obra-prima”, e o diretor “venceu a batalha das imagens com um arsenal de texturas, ritmos, relações e movimentos que nos trazem brilhantemente o Zeitgeist (espírito do tempo) de um coração amoroso revoltado pela injustiça e a idiocracia”.

No mesmo programa estão também curtas de Teresa Villaverde e de autores franceses e uma argentina. Neste link eles podem ser vistos em sequência ou separados até o dia 27/9.

O olhar de Charles

Minha paixão por filmes de viagem foi saciada hoje com AZNAVOUR POR CHARLES (Le Regard de Charles), no Festival In-Edit. Tal como Ingrid Bergman, Charles Aznavour (1924-2018) filmou incessantemente em Super 8 suas viagens, bastidores dos seus shows, cenas de família, etc, entre 1948 e 1982. Um ano antes de morrer, entregou esse material – totalmente inédito a olhos públicos – ao diretor Marc DiDomenico para fazer um filme.

As imagens, editadas com grande sensibilidade, são acompanhadas de um texto lírico, composto a partir de notas pessoais do cantor e compositor. “Eu me filmo, logo existo”. brinca ele com sua própria vaidade. Na boa tradição de Jacques Prévert, o texto (narrado por Romain Duris) embala as cenas que cortam África, Ásia, Europa e Américas (com breve visão de um pouso no Rio de Janeiro), assim como pontuam as turnês e os amores de Aznavour, os filhos (um dos quais morreu jovem) e a melancolia da ascendência armênia que temperava a felicidade ostensiva do astro.

Um filme muito bonito e sugestivo sobre a vida de um homem que queria ver/filmar tanto quanto era visto, ouvido e admirado. Está acessível neste link por 3 reais até 20/9.

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