É Tudo Verdade: Eu e o Líder da Seita

Exibição gratuita: Plataforma Looke, 09/04 às 19h00 durante24horas

por Paulo Lima

As banalidades de uma conversão

No dia 20 de março de 1995, a seita Aum Shinrikyo, liderada pelo guru Shoko Asahara, atacou várias linhas do metrô de Tóquio com gás sarin, provocando 13 mortes e ferindo mais de 6.200 pessoas. Uma das pessoas atingidas foi Atsushi Sakahara. Durante 20 anos, ele sofreu as consequências físicas e psicológicas provocadas pela inalação do gás.

Decorrido esse tempo, Sakahara quis descobrir quais motivações humanas estavam por trás das ações da Aum Shinrikyo. Ele decidiu então entrar em contato com o novo Relações Públicas da seita, Hiroshi Araki. As negociações para que o encontro ocorresse levaram um ano. Por fim, Sakahara pôde estar frente a frente com Araki. O registro da conversa é o que constitui o documentário Eu e o Líder da Seita (Aganai / The Cult Leader and Me.

Araki é um ascético que se apresenta para a entrevista calçado numas sandálias franciscanas. Sua figura jovem e contida contrasta com a personalidade brincalhona do diretor Sakahara. O que se verá nas quase duas horas do filme é a maneira amistosa, porém persuasiva, com que Sakahara tentará extrair do seu personagem o motivo pelo qual ele, mesmo depois dos atentados com o gás sarin, permaneceu acreditando em seu guru.

Entrevistador habilidoso, Sakahara busca estabelecer um clima de camaradagem com Araki, que se mostra aberto a todos os questionamentos, porém não hesita em estabelecer longos silêncios, respostas reticentes e evasivas para indagações do tipo: “Por que fizeram isso?” “Você o aceitaria como ser humano?” “Você ainda acha que ele é uma pessoa maravilhosa?”. Aos poucos, o diretor cria uma relação de confiança. Os diálogos ocorrem ao ar livre, enquanto caminham, ou no interior de trens, rumo a uma visita à região onde Araki nasceu.

Sakahara se revela intelectualmente superior a Araki. Ele encurrala seu personagem, tenta destrinchar sua mente, seu comportamento. Quer compreender o que parece racionalmente incompreensível – o fato de Araki não exibir sinais de remorso ou arrependimento por ainda pertencer a uma seita cujo guru provocou um atentado terrorista. Esquadrinha as razões da conversão de Araki à Aum Shinrikyo, ocorrida durante uma visita de Shoko Asahara à Universidade de Kyoto, onde Araki estudou e chegou a fazer um mestrado, cooptado pelos dogmas da seita que pregava a renúncia às coisas do mundo. Sakahara escuta Araki,  a exposição de suas fragilidades que inclui seu abandono dos laços familiares.

O que emerge da longa conversa com Araki é uma personalidade suscetível ao discurso religioso, sem que em nenhum momento tenha se disposto a questionar suas crenças, mesmo depois do atentado no metrô de Tóquio. Tanto que, perante o encontro com Atsushi Sakahara, ele afirma: “Tive tempo de escutar e entender uma vítima pela primeira vez”. O título do documentário em inglês informa que se trata de “uma reportagem moderna sobre a banalidade do mal”. É exatamente por meio dessa banalidade que os fantasmas da religião assustam o mundo.

Paulo Lima

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