É Tudo Verdade: Paraíso

Exibição gratuita: Plataforma Looke, 16/04 às 19h00

por Paulo Lima

Em busca do paraíso perdido

Uma atmosfera proustiana permeia o documentário Paraíso, do diretor Sérgio Tréfaut. Logo na abertura, ele informa que está voltando ao Brasil depois de 40 anos de ausência (viveu a maior parte do tempo entre Portugal e a França). Ao retornar, busca o país que preservou em sua memória. Nas imagens iniciais, a câmera vagueia pelos espaços bucólicos dos jardins do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, sede do governo federal antes da mudança da capital para Brasília. Finalmente, a câmera se detém num grupo formado por homens e mulheres da terceira idade que se preparam para tomar parte de uma seresta que, em tempos normais, ocorre diariamente no local.

O microfone no palco improvisado é aberto para quem quiser cantar. Um grupo de músicos acompanha os participantes, em sua maioria mulheres. O repertório escolhido remete a canções antigas, cujas letras falam de amores perdidos e corações solitários. As habilidades musicais variam, mas o que conta é a oportunidade do encontro e o exercício da música como terapia.

É nesse pequeno universo que Sérgio Tréfaut concentra a representação do passado que ele deixou para trás ainda na adolescência, e que agora procura. Em cada rodada de seresta, homens e mulheres se confraternizam na alegria do reencontro e dos abraços. É por meio dos refrões que cada um extravasa seus sentimentos pessoais. O filme mostra algumas pessoas do grupo fora do espaço de celebração das serestas. Ao fim de um encontro, a câmera segue uma senhora indo para casa. Ela canta os versos de Ronda, o hino da boemia e da solidão: “Volto pra casa abatida/desencantada da vida”. Em outro lar, um seresteiro põe para tocar um disco de Nelson Gonçalves. A música escolhida é E por falar em saudade.

Os personagens não são identificados no filme, como se a intenção fosse capturar o clima de união em torno da música. Seus nomes aparecerão nos créditos finais. Durante uma seresta, um casal anuncia seu noivado – de “velhos noivos” -, como se autodenominam com bom humor. Outra frequentadora dos encontros explica a importância que a música, e o estar junto com as outras pessoas do grupo, ocupa em sua vida: “Eu canto o tempo inteiro, aqui no Palácio eu pude botar pra fora isso que eu sinto”.

Para cada um, a oportunidade de cantar, manifestada publicamente, operou uma transformação. Vemos a senhora que voltou a soltar a voz depois de impedida por uma depressão, e a que deixou de avistar o fantasma do marido após ter-se tornado viúva. O momento da seresta é o paraíso em que esses homens e mulheres exercitam a alegria, tendo a música como linguagem dos afetos e maneira de relembrar a juventude que ficou para trás.

A pandemia que se abateu sobre o mundo interrompeu aquele paraíso. As serestas foram suspensas em fevereiro de 2020. O filme deixa um travo de melancolia, mas também nos faz lembrar os versos do poeta e o que se reflete no espelho da memória: “as coisas findas,/ muito mais que lindas,/ essas ficarão”.

Paulo Lima

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