Labirinto de simulacros

ALPES no streaming

Se você ficou desorientado com os filmes mais recentes do grego Yorgos Lanthimos (O Lagosta, O Sacrifício do Cervo Dourado e, em chave menos esquisita, A Favorita), prepare-se para um labirinto ainda mais tortuoso em Alpes (Alps), realização do já longínquo 2011. Nesse seu segundo longa (depois de Kynodontas), o cineasta parecia mais liberto para exercitar seu gosto pelo non sense e pela frustração de expectativas realistas.

Alpes é o nome da empresa de quatro profissionais que gerem um negócio inusitado: alugam-se como substitutos de pessoas recém-falecidas para ajudar os parentes a vivenciarem o luto num arremedo de representação. A rigor, a coisa não é tão inusitada assim, já que uma empresa real de Tóquio faz precisamente isso (entre outras formas de substituição pessoal), o que inspirou um dos últimos filmes de Werner Herzog, Family Romance.

Em Alpes, o simulacro visa repetir cenas vividas pelos familiares com o ente perdido: diálogos banais entre pais e filhos, uma briga de casal, uma noitada de sexo, um flagrante de adultério, etc. Isso significa que todos – substitutos e clientes – são (péssimos) atores em certa medida, numa interação insólita. Um quebra-cabeça de percepção se oferece a nós, espectadores, principalmente no que diz respeito à personagem principal, uma enfermeira (Angeliki Papoulia).

Ela se divide entre vários papéis de substituta, mas fica obcecada por tomar o lugar de uma jovem tenista que sofreu um acidente gravíssimo. Quando a moça morre, ela passa a substituí-la junto aos pais à revelia da empresa, o que lhe trará sérias consequências.

O chefe da Alpes, chamado de Mont Blanc (cada um tem o apelido de uma montanha dos Alpes), mantém seus empregados sob submissão violenta. Dedica especial sadismo a uma jovem ginasta que comete falhas no serviço e é punida severamente. O mesmo tipo de dominação Lanthimos parece querer exercer sobre o público, com seus dribles permanentes na lógica das cenas e sua montagem cheia de descontinuidades que atendem mais aos caprichos de um diretor excêntrico do que às exigências de uma história bem contada.

Não é para o gosto de muitos, mas tem seus fãs. O crítico Xan Brooks, do The Guardian, é um deles. Eis o seu conselho para quem quiser se aventurar por esse cipoal: “Sigam o cineasta. Deixem-no guiá-los pelo nariz. Lanthimos sabe exatamente onde quer chegar”. De minha parte, o segui e não cheguei a lugar nenhum.

>> Alpes está na plataforma Reserva Imovision

Trailer legendado em inglês:

2 comentários sobre “Labirinto de simulacros

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