Três meninas do Djibuti, um rapaz da Lituânia

JUVENTUDE e ADÃO QUER SER UM HOMEM no streaming

Três meninas do Djibuti

Posso apostar que você nunca viu um longa de ficção do Djibuti. Ganho fácil, pois Juventude (Dhalinyaro) é o primeiro na história daquele país africano. O pioneirismo é mérito da realizadora Lula Ali Ismaïl, que trocou sua terra natal pelo Canadá aos 14 anos, em 1992. Sua história pessoal se conecta um pouco com a das três protagonistas do filme, jovens colegas do ensino médio que se preparam para a entrada na universidade e na vida adulta.

Deka (Amina Mohamed Ali), Asma (Tousmo Mouhoumed Mohamed) e Hibo (Bilan Samir Moubus) pertencem a classes sociais diferentes, o que gera alguns atritos, mas não o suficiente para comprometer uma amizade inabalável, marcada pela solidariedade e a alegria. Deka namora um homem casado, sente falta do pai separado e hesita entre optar pela faculdade no exterior e no Djibuti. Hibo, de família rica, também tem problemas decorrentes de um namoro recente e não sabe como vai se virar sem os confortos de casa quando for estudar em Paris. Alma, a mais pobre e mais religiosa das três, sente-se eventualmente discriminada.

Não há grandes reivravoltas na vida dessas meninas, mas sim uma crônica singela e amável de seu cotidiano nas respectivas famílias e na cidade. Estão lá seus anseios e dúvidas, e também os preconceitos que afloram na contramão de toda sororidade.

Sem explicitar qualquer intenção etnográfica, o filme deixa entrever muitos detalhes da vida no Djibuti. A capital do mesmo nome aparece de muitos ângulos, seja integrada à ação das personagens, seja em vinhetas de pura imantação local. O francês e o somali se mesclam no falar dos personagens, adoçados por três atrizes de grande carisma.

Um rapaz da Lituânia

A plataforma Supo Mungam Plus resgatou do nosso desconhecimento uma curiosidade cinefílica: o primeiro filme lituano a ganhar atenção internacional. Adão Quer Ser um Homem (Adomas nori buti zmogumi) marcou a estreia do célebre diretor lituano Vytautas Zalakevicius em 1959. Foi realizado durante o período de ocupação soviética, mas sua história remonta a fase anterior, às vésperas da II Guerra, quando ícones do nazismo podiam ser vistos pelo país.

O jovem Adomas (Adão) é um dos muitos desempregados numa cidade costeira. Seu ídolo é um velho lobo do mar, o “Capitão”, que lhe fala de terras exóticas como Singapura, Havaí e Argentina. Adomas consegue emprego numa agência de emigração e passa a juntar dinheiro para realizar o sonho de ir para Buenos Aires. Aqui entra a imagem genérica e estereotipada que se costumava fazer em terras longínquas a respeito da América do Sul. Buenos Aires aparece na imaginação dos lituanos como uma terra de gente feliz, mulheres negras libertinas e muitas palmeiras sob o sol. Ideia semelhante à que se fazia do Brasil.

Adomas inicia um namoro com Lucie, tão jovem e ingênua quanto ele, que é objeto da cobiça do dono de um restaurante conhecido simplesmente como “O Americano” (codinome típico para um personagem inescrupuloso pela ótica soviética). As negociações escusas entre “O Americano” e o dono da agência de emigração (interpretado por Donatas Banionis, do Solaris de Tarkovsky) vão acabar respingando sobre os sonhos românticos de Adomas e Lucie.

O filme envelheceu bastante do ponto de vista da trama e da caracterização de personagens, assim como resta um tanto obscuro para o público de hoje e de longe. Mas resiste na visualidade exuberante em preto e branco. A fotografia de Algimantas Mockus evoca ora as angulações excêntricas de Orson Welles e Carol Reed no cinema dos anos 1940 e 1950, ora um certo lirismo do Fellini daquela mesma época. Por fim, vale a pena aproveitar a rara oportunidade de ver um filme da Lituânia que não tenha a ver com Jonas Mekas.

>> Juventude entra sexta-feira na plataforma Supo Mungam Plus. Adão Quer Ser um Homem já está disponível na mesma plataforma. 

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