No ventre do tráfico mexicano

TEMPESTADE no streaming

Mais que merecidamente, esse documentário de Tatiana Huezo venceu (com meu voto) o Prêmio Fênix de documentários ibero-americanos de 2017. Uma obra-prima em todos os quesitos.

Duas mulheres contam suas histórias exclusivamente em off. Miriam Carbajal saiu de uma prisão clandestina do cartel do tráfico depois de passar um tempo não especificado nas mãos de carcereiros e sicários. Ela conta os horrores que presenciou na prisão, incluindo a morte de um jovem imigrante e a dor de não ver o filho pequeno. Através de extorsões, a família pagava milhares de dólares apenas para mantê-la viva. A polícia, que a acusou sem provas de trabalhar para o tráfico, a entregou para o cárcere do cartel, perto da fronteira norte do país.

Todo o seu relato é coberto por imagens de um ônibus que percorre estradas do México, de norte a sul (o caminho de Miriam de volta à casa). A não ser por uma última e intrigante aparição, nunca vemos Miriam, mas somente os passageiros ensimesmados ou cochilando, além de cenas em um bordel, um mercado e batidas policiais nas estradas. Onipresença policial-militar num país dominado por milícias, polícias paralelas e cárceres mantidos pela trata (o tráfico de pessoas).

O efeito é poderoso como ilustração indireta, oblíqua, sugestiva, metafórica. Em lugar da mulher que fala, vemos muitos rostos mexicanos comuns, com quem aqueles fatos também poderiam se passar. É uma relação incomum e ousada entre narração e imagens.

Alternando-se com a história de Miriam, temos a de Adela Alvarado. Esta sim, aparece no circo de mulheres onde é palhaça. O dia-a-dia do circo, em silêncio, cobre o relato de Adela. Há dez anos sua filha Monica, de 20 anos, foi sequestrada pela trata. Ela foi extorquida, enganada e ameaçada de morte para que cessasse sua busca. Coisa kafkiana.

A narração das duas é pausada, em tom melancólico e ritmo constante. Cheguei a pensar que era dita por atrizes, mas não. A fotografia e o desenho de som são extraordinários. No Prêmio Fênix, Tempestade (Tempestad) ganhou os três prêmios a que concorria: melhor documentário, fotografia documental e música original (onde competiam juntos ficção e documentário). Foi o indicado pelo México para concorrer ao Oscar internacional de 2018.

>> Tempestade está na plataforma Supo Mungam Plus.

6 comentários sobre “No ventre do tráfico mexicano

  1. Pingback: Meus filmes favoritos em 2021 | carmattos

  2. Pingback: Mostra SP: “A Noite do Fogo” e “Pedregulhos” | carmattos

Deixe um comentário