Bowie, metamorfose ambulante

MOONAGE DAYDREAM no streaming

Homem ou mulher? Humano ou robô? Terráqueo ou alienígena? David Bowie sugeria a abolição de todos os binarismos em prol de uma escultura viva que cantava, dançava, interpretava e fazia pantomima. Ao mesmo tempo que se expunha espetacularmente, se escondia detrás de uma metamorfose ambulante. Um colecionador de personagens, como se autodefinia.

Leitor de Nietzsche, Bowie abraçava o transitório e se identificava com o caos. Era capaz de elaborar pensamentos metafísicos relativamente complexos e, na frase seguinte, dizer que não tinha ideia sobre nada.

Essas facetas do grande astro britânico aparecem em forma de trip psicodélica no documentário Moonage Daydream. O diretor Brett Morgen repete um tanto do que fez com imagens dos Rolling Stones em Crossfire Hurricane. Músicas e falas de Bowie (e só dele), assim como fragmentos de clipes, filmes e performances se sucedem e se interpenetram numa edição veloz, às vezes alucinada. Consta que muitas dessas imagens são inéditas aos olhos do público, inclusive trechos de Bowie interpretando O Homem Elefante na Broadway. Uma boa quantidade de suas pinturas, esculturas e vídeos experimentais também comparece para compor o perfil de um artista múltiplo.

O mashup vertiginoso de Moonage Daydream potencializa ao maximo a explosão do rock bowieano, inserindo-o no discurso pop do seu tempo: paródia, psicodelismo, fantasias espaciais, androginia, petulância e exibicionismo. Ao mesmo tempo, quando aproxima freneticamente as várias fases de sua carreira, o filme ressalta a incessante transfiguração de sua aparência através de figurinos, penteados, maquiagem e posturas públicas.

Embora não seja biográfico, o documentário inclui trechos de entrevistas em que Bowie pontua sobre a família disfuncional de onde saiu, o medo de contrair a mesma esquizofrenia do meio-irmão, as inquietações juvenis na Brixton natal, algumas influências decisivas (os beatniks, Coltrane, Fats Domino), a mudança para os EUA em busca de aventuras criativas, a parceria com Brian Eno em Berlim, a bissexualidade e o casamento tardio com a modelo somali-estadunidense Iman Mohamed Abdulmajid.

Os interessados em conhecer a trajetória de maneira mais convencional ficarão decepcionados. O forte de Moonage Daydream é a sugestão audiovisual de uma persona artística fascinante em sua opacidade sensacional. Elegia ao “homem que caiu na terra” (um de seus filmes), ao Space Boy, ao Starman, ao Ziggy Stardust… Ao viajante que certamente gostaria de percorrer planetas, mas teve que se contentar em transitar pelos quatro cantos da Terra e nos fazer viajar com seu canto.

>> Veja aqui as plataformas onde assistir a Moonage Daydream.

 

 

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