Comédia filosófica e mistério social

Sobre PUAN e FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM

A Filosofia e a crise argentina

A debacle econômica da Argentina, com reflexos no mundo do trabalho, nas universidades públicas e nas condições de vida da população, levou o país aos braços da extrema-direita, num processo que temos visto se alastrar por vários países. Os sintomas dessa encruzilhada estão postos em Puan, comédia dramática de María Alché e Benjamín Naishtat em coprodução com o Brasil e países europeus. Podemos ver os apuros de um professor de Filosofia Política como a versão prosaica dos paradoxos com que ele costuma ilustrar as questões em sala de aula. Se o bicho pega ou o bicho come, a que distância do bicho devemos ficar?

Puan tem a dinâmica narrativa e a perícia de encenação a que nos acostumamos no melhor cinema argentino. Como no também excelente O Cidadão Ilustre, temos uma radiografia penetrante do meio cultural argentino – no caso, o meio acadêmico, com suas disputas de ego e suas mitificações. Quando morre um respeitado professor titular da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, seu assistente Marcelo (Marcelo Subiotto) parece o sucessor natural. Mas Marcelo está num momento de estagnação na sua vida profissional e pessoal, o que abre espaço para a chegada de Rafael (Leonardo Sbaraglia), vindo de um período na Alemanha, cheio de dinheiro e pavonices intelectuais. A rivalidade se coloca, deixando Marcelo no lugar do concorrente derrotado de antemão.

Há muito com que se divertir e pensar em Puan. O ótimo roteiro combina humor patético, rudimentos de filosofia, crítica social e elogio do ativismo num composto ao mesmo tempo leve e denso. O percurso descendente de Marcelo expõe os riscos da paralisia, mas também os efeitos do culto à celebridade num devir cada vez mais conservador.

>> Puan está nos cinemas.      



Mergulho nas sombras

Que boa surpresa é Fim de Semana no Paraíso Selvagem. O “thriller neo-noir” (assim o classifica o diretor pernambucano Severino) esbanja competência técnica e artística além de algo essencial que muitas vezes falta no cinema brasileiro: senso de atmosfera para sugerir tensão e mistério.

A trama é complexa, no limite do nebuloso, mas vale a pena percorrer seus desvãos. Um enigma está no centro: que tipo de pessoa, afinal, era Rodrigo, o exímio mergulhador que aparece morto numa praia fictícia do litoral de Pernambuco? Sua irmã, Rejane (Ana Flávia Cavalcanti), volta ao local para investigar depois de tê-lo deixado ainda na infância, quando sua mãe ativista foi assassinada. Esse fato está na origem do envolvimento do irmão com uma rica família disposta a eliminar qualquer obstáculo ao grande projeto imobiliário que pretende construir ali.

O tema da especulação imobiliária é de lei no cinema pernambucano contemporâneo, hábil em combinar o filme de gênero com a assertividade social. Fim de Semana no Paraíso Selvagem segue esse caminho, fechando os trabalhos com uma sequência final que poderia estar em Bacurau. Àquela altura, o foco já passou de Rodrigo para a própria Rejane e sua disposição para vencer a experiência traumática do passado.

Embora acabe deixando alguns buracos e um excesso de sombras no caminho, é um filme magnetizante, servido por um elenco variado e muito bem dirigido, uma montagem propulsiva de Joana Collier, um tratamento audiovisual de primeira com muitas cenas noturnas excepcionalmente bem iluminadas e um trabalho sonoro dos mais sugestivos.

>> Fim de Semana no Paraíso Selvagem está em cinemas de algumas cidades do Nordeste, em Porto Alegre e, a partir de 14/12, no Art UFF de Niterói (RJ). Em breve também no Rio e BH.

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