As primeiras imagens de Walachai, ao som do Concerto para dois bandolins de Vivaldi, remetem o espectador a um lugar muito distante. Casinhas floridas espalhadas num vale verdejante, a névoa adoçando a paisagem, uma senhora com jeito de babuschka russa tocando um sino de igreja… Logo virá alguém falando num dialeto alemão, e pronto… Estamos num “Brasil diferente” que demora a aparecer na nossa dieta cinematográfica.
Walachai (pronuncia-se Valarrái), o nome da aldeia natal da diretora Rejane Zilles, significa justamente “terra muito distante” no dialeto hünsruck. Walachai não é, porém, tão distante quanto parece. Está a apenas 70 km de Porto Alegre, mas essa é uma distância que não pode ser medida em quilômetros. O filme de Rejane se dedica a marcar em minúcias uma distância que é mais cultural e etnográfica do que geográfica. Nas primeiras sequências, moradores de lá e de aldeias próximas falam dessa distância que se manifesta na língua, nos hábitos, na tecnologia rudimentar usada na lavoura, no isolamento voluntário, no silêncio e até em atitudes prosaicas como a recusa a seguir o horário de verão. A colônia alemã de onde Rejane saiu para o Rio, deixando para trás o pai dono de ferraria, é um enclave de ambiguidade étnica notável.
Todos se dizem orgulhosamente brasileiros, muitos não têm ideia do que seja a Alemanha, mas poucos conseguem se expressar em português. Não há germanofilia especial, apenas uma herança que se mantém meio abstratamente, como fruto de uma certa inércia. Quase todos os personagens que Rejane escolheu são bem característicos desse mundo à parte, felizes por se manterem abrigados na concha daquele vale. Se representam o sentimento dominante do lugar ou apenas um estamento de resistência, não sabemos. Mas é delicioso conhecê-los.
A gente ri com frequência um riso terno por causa do sotaque, da música da fala, da ingenuidade com que jovens e velhos se apresentam diante da câmera e da graça singela de alguns costumes. Rejane consegue imprimir com cuidado a nota justa entre a curiosidade da documentarista e o respeito de um semelhante. É nesse tom sempre doce que o filme supera as limitações de um modelo puramente expositivo para chegar a um retrato temperado por grande simpatia.
Dois personagens ocupam os lugares de cronistas de Walachai: o professor Benno Wendling, que escreveu (em português) a história do lugar num grande caderno pautado e inspirou o curta O Livro de Walachai, origem desse projeto da diretora; e o pintor Flávio Scholles, que já pintou 6.000 quadros sobre a gente e a vida da região. Agora a atriz, diretora e produtora Rejane Zilles pode se juntar a eles com esse bonito perfil cinematográfico de seu rincão original.
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Walachai (pronuncia-se Valarrái), o nome da aldeia natal da diretora Rejane Zilles, significa justamente “terra muito distante” no dialeto hünsruck. Walachai não é, porém, tão distante quanto parece. Está a apenas 70 km de Porto Alegre, mas essa é uma distância que não pode ser medida em quilômetros. O filme de Rejane se dedica a marcar em minúcias uma distância que é mais cultural e etnográfica do que geográfica.
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Parabéns a equipe toda e em especial a Rejane Zilles pela singeleza da abordagem e pelos personagens tão míticos!