Pílulas 30

Recomendo vivamente a leitura da crítica do Luiz Fernando Gallego Soares a O GANDE GATSBY no link aí embaixo, exemplo de texto fundamentado e observação aguda da relação literatura-cinema. Mas tenho muitas razões para achar que meu colega e sósia Gallego entrou no cinema predisposto a não gostar do filme de Baz Luhrman. Embora concorde em quase tudo com ele, saí da poltrona com impressão bem melhor. Achei bem interessante o paralelo entre a extravagância da riqueza de Jay Gatsby e os excessos de produção e estilo do filme. Todos aqueles fogos de artifício de montagem, aqueles voos sobre Manhattan, aquela cornucópia de planos, tudo para preencher um vazio e, no fundo, apenas seduzir de volta um público que periga abandonar o cinema “de sala”, uma Daisy que o grande espetáculo não quer perder. Gosto também da maneira como o filme desacelera em ritmo e tom à medida que penetramos mais e mais na carência e na vacuidade de Jay. A discussão chave do triângulo amoroso deixa claro que os “barracos” amorosos ocorrem em qualquer classe, mudando somente o amasso do figurino. Di Caprio, embora lindo e impecável como sempre, não costuma me convencer totalmente com seu jeito boyish em papéis de homens másculos e vividos, mas aqui pelo menos realça o aspecto de “pobre menino rico” do personagem de Fitzgerald. Esse Gatz by Baz combina transvanguarda e clichês clássicos, insolência criativa e respeito ao original. Faz da inconsistência a sua própria substância. Mas leiam o Gallego aqui.   

Não li o romance NORWEGIAN WOOD do Murakami, mas por outras adaptações que conheço de sua obra, percebo que o filme do vietnamita Tran Anh Hung captou muito do romantismo estranho e melancólico das histórias do escritor sobre amores juvenis. Aqui temos um rapaz tímido que se envolve com três mulheres diferentes enquanto tenta deixar para trás os “cadáveres” dos amigos que vão morrendo pelo caminho. Ambientado nos anos 1960, trata daquela idade em que o sexo era difícil, os amores incompletos e a morte rondava sempre os planos de felicidade dos jovens. Hung filma no seu estilo sensual e preciosista, com tomadas sempre em movimento e superfícies que se interpõem entre os atores e a câmera – recurso favorecido ou inspirado pela arquitetura oriental com seus painéis, cortinas e portas de correr. COMO NA CANÇÃO DOS BEATLES: NORWEGIAN WOOD se passa no Japão, mas o que temos é sempre o país de Hung: a natureza usada de maneira expressionista, os espaços fluidos, um distanciamento quase autista entre os personagens e a realidade ao seu redor. Não estamos no nível de PAPAYA VERDE ou CYCLO, mas há belas imagens e delicados sentimentos de sobra para quem aprecia.

FLAMENCO, FLAMENCO (2010) é nada menos que o sétimo filme em que Carlos Saura enfoca a música e a dança típicas espanholas. Mas há uma diferença fundamental entre os primeiros, como BODAS DE SANGUE, CAMEM e AMOR BRUXO, em que o flamenco estava ali como forma narrativa, e os posteriores SEVILLANAS, FLAMENCO e IBERIA, que se aproximam mais e mais de espetáculos puramente demonstrativos. Este último é “mais do mesmo” a começar já pela repetição do título. Num grande estúdio decorado por reproduções de pinturas clássicas e posters de filmes alusivos ao flamenco, grandes astros se sucedem com garbo frente à câmera-plateia. A luz linda de Vittorio Storaro pinta tudo com primor e as performances nunca são menos que magistrais. Há mesmo interações da dança com a pantomima e um show à parte do violonista Paco de Lucía. Ainda assim, é de se perguntar se a fórmula já não deu o que tinha de dar. Um número de dança sob chuva, que não se justifica sob nenhum aspecto, demonstra o tipo de efeito vazio que Saura tem procurado com seus filmes-show. É o tipo da coisa que hoje se presta mais a uma noite no horário nobre da TV do que a uma temporada de cinema. Não creio que o filme tenha distribuição no Brasil. Nem ouvi mais falar do projeto de Saura fazer um opus sobre o samba. O que se poderia esperar?

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