UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK
Este texto contém spoilers. Melhor para ler depois de ver o filme.
Antes de tudo tem Manhattan, alvo de uns tantos elogios apesar do mau tempo de UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK. Woody Allen retorna a sua zona de conforto: Central Park, casais em apuros, uma montanha de referências à cultura nova-iorquina. Mas a verdade é que Nova York nunca pareceu tão estranha num filme seu, tão deslocada no tempo. Há referências ao cinema antigo (filmes diversos, Nora Desmond, etc), algo como um desejo de flertar com o passado, o que transparece no sabor antiquado dessa historinha de um casal que se desencontra num passeio de fim de semana.
Já em Roda Gigante Allen dava sinais de cansaço criativo. Neste novo filme, atravessado pela campanha puritana que enfrenta nos EUA, ele parece dirigir no piloto automático. As incessantes alusões a doenças e especialidades médicas deixam entrever um agravamento de sua célebre hipocondria. Não fosse a performance exuberantemente simpática de Elle Fanning como Ashleigh, A Rainy Day in New York talvez resultasse num mero soporífero pontuado por meia dúzia de gags verbais inspiradas. A depender do alter ego da vez, o Pequeno Gatsby confiado a Timothée Chalamet, o caminho seria aquele mesmo.
(Aqui uma observação feita por minha amiga Rosângela Sodré ao fim da sessão: à medida que Allen envelhece, seus alter egos vão ficando cada vez mais jovens. Em breve teremos um bebê ruminando dores de amor nas imediações do Guggenheim).
Ashleigh, por sua vez, é uma rara protagonista maltratada pelo diretor. Há quase uma ponta de misoginia na caracterização da garota fútil, deslumbrada por celebridades de Hollywood ao ponto de não titubear diante da corte de um ator egóico como o Francisco Vega vivido por Diego Luna. O fato de seu pouco caso pelo namorado romântico coincidir com um flerte dele não impede que ela seja a parte “negativa” do casal – e por isso punida na cena final.
A atração (entre intelectual e sexual) de Ashleigh por homens mais velhos sugere um subtexto inevitável ligado à vida de Allen. Por outro lado, a presença de uma prostituta e uma ex-prostituta, personagem frequente nos seus filmes, enfatiza o lusco-fusco moral que ele tanto cultiva.
A Manhattan do filme tampouco se sai bem na fita, retratada pelo seu lado mais anacronicamente esnobe. A cena em que as telas impressionistas do Metropolitan servem de mero fundo para uma conversa banal de Gatsby com Chan (Selena Gomez) exemplifica bem o pedantismo que Allen pretende apresentar como charme.
UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK certamente não aborrece ninguém, mas está longe de figurar entre os bons Woody Allen. Ademais, deixa patente uma certa confusão do cineasta na representação da mulher, talvez por conta de tantas atribulações pessoais.
A resenha de Carmattos é bem precisa e traduz com exatidão os pontos fortes e fracos (estes últimos em maior número) do filme. O cansaço criativo do genial Woody Allen fica patente na grande quantidade de encontros fortuitos de que ele se serve para construir seu roteiro (Gatsby x amigo da escola na rua, Ashleig x ator famoso no estúdio, Gatsby x tios no Met, Ted x esposa na rua, Ashleigh x Rollie em festa, etc. etc.). Sem esse truque manjado e, para mim, um tanto irritante, o filme não existiria.
É isso aí, xará. Grato pelo comentário.
Acrescento que esse filme é mais um hino de amor à cidade. Achei o filme um oásis de sensibilidade e inteligência que não tem mais lugar no cinema. Eu sei que é “apenas mais uma história de amor hétero”, mas será que já não se pode falar disso? É interessante de fato que na idade em que está Allen se volte para os primeiros anos da vida adulta. E não vejo nada de mal nisso. Abçs
Achei o filme lindo. Não vejo nada desse desprezo pela mulher. Chan, a menina que fica com Gatsby é inteligente, questionadora e independente. É uma linda história de crescimento, me lembrou os filmes de Truffaut, sem medo de ser românticos. É nostálgico de um mundo que não mais existe; mas por que um criador não pode revelar esse sentimento? Abçs
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Que bom que você gostou. Mas o meu comentário se referia especificamente à personagem Ashleigh.
Nada contra a nostalgia quando ela vem eivada de um sentimento legítimo, e não apenas numa fórmula exausta.
Perdão, mas Truffaut estava a milhas de distância desse filme bem menor do adorável Woody.