Cinco filmes, uma blogueira, um grande ator

“Só tem Cottage?” Com essa frase à mesa do café da manhã, logo no início de CASA GRANDE, Jean começa – ou nós começamos – a perceber que as coisas não vão muito bem para sua família da “elite branca” da Barra da Tijuca. O pai apostou suas fichas no Eike Batista, afinal ele pensa que sabe tudo o que há “de melhor” no mercado e se acredita dono dos seus direitos em qualquer lugar da cidade. Mas a vaca está indo para o brejo, e é preciso retardar enquanto possível a derrocada antes de ter de “mexer na poupança dos meninos”.

CASA GRANDE esmiúça em detalhes o declínio do império neoliberal no seu núcleo mais reduzido, ao mesmo tempo em que conta a história do amadurecimento de um adolescente e sua tomada de consciência do mundo. O que mais impressiona no filme é a sutileza com que tudo isso evolui através de diálogos absolutamente verossímeis, caracterizações que nunca derrapam na caricatura e ações que, embora ousadas dramaturgicamente, mantêm-se quase sempre coerentes (a exceção, a meu ver, é a reunião final de todos os personagens de classe baixa numa mesma favela).

Fellipe Barbosa confirma o talento demonstrado em “Beijo de Sal” e “Laura” para enfeixar múltiplas observações sociais numa só narrativa coesa e nunca óbvia. As aflições dos pais e dos adolescentes correm em paralelo, mas se tocam indiretamente o tempo todo, revelando os diversos ângulos de uma classe social em crise com a imagem que faz e deseja produzir de si mesma. CASA GRANDE é um ótimo colega de turma para “O Som ao Redor” no curso que o cinema está nos oferecendo sobre o Brasil contemporâneo.


A visita da blogueira Yoani Sánchez ao Brasil, em fevereiro de 2013, catalisou as diferenças político-ideológicas por aqui. No Congresso, a oposicionista cubana foi acolhida por tucanos e louvada por extremistas de direita. Nas ruas, enfrentou protestos e acusações de mercenária e traidora por ativistas de esquerda. Teve palestras e eventos interrompidos pelo alarido das manifestações. A tudo ela respondia com um sorriso entre o cínico e o compreensivo, enquanto entoava loas à liberdade democrática que diz faltar em Cuba.

Um documentário sobre essa viagem teria três caminhos naturais a tomar: assumir a defesa de Yoani, alinhar-se com os protestos contra ela ou mostrar os dois lados em nome de uma suposta objetividade jornalística. A VIAGEM DE YOANI, de Peppe Siffredi e Raphael Bottino, optou por uma quarta via, certamente a mais interessante. Fez com que os acontecimentos da estada de Yoani no Brasil contaminassem a própria forma do filme. Assim é que conhecemos a blogueira em sua confortável casa de Havana (onde certamente não faltam “tomate e batata”, como ela mais tarde alegará numa argumentação) e acompanhamos a história de sua ascensão internacional através de um design de imagens que mimetiza a estética da web em conexão lenta e precária. Após a chegada no Brasil, o filme mergulha na agitação que sua presença ocasiona. Flagra discussões calorosas entre brasileiros, testemunha a tensão dos cicerones (não tanto dela) diante dos protestos e as tentativas infrutíferas de abrir espaço para suas falas em espaços públicos.

Assim é que gradativamente Yoani vai saindo de cena no filme do qual é protagonista, sua voz vai ficando cada vez mais em off, e o Brasil é que vai ocupando todo o quadro. Há um momento intrigante perto do final, quando Yoani parece romper com os realizadores, acusando-os de entrevistá-la como se fosse num questionário do governo cubano. Não sei até que ponto essa ocorrência terá determinado a edição final do filme, cujo sentido aponta para uma viagem essencialmente frustrada. Sobre a personagem, fica o espaço para cada espectador julgá-la segundo o que pensa e os dados que conhece.


dannyAl Pacino is back – e não se fala de outra coisa em Hollywood atualmente. Ele nunca parou de atuar, mas há uns bons 20 anos não emplacava trabalhos tão brilhantes em filmes tão bons como NÃO OLHE PARA TRÁS e O ÚLTIMO ATO, ambos em cartaz no Brasil. E ainda tem o elogiado “Manglehorn”, de David Gordon Green, e a adaptação da “Salomé” de Oscar Wilde que Pacino dirigiu e estrelou em 2013. Ao contrário de Robert De Niro, Jack Nicholson e Dustin Hoffman, outros grandes de sua geração, Pacino deu a volta por cima da caricatura de si mesmos e, envelhecendo, encontrou personagens adequados a seu tipo de coroa chapado, com um passado enorme por encarar e cabelos de quem acordou agora e não teve tempo de pentear.

Em NÃO OLHE PARA TRÁS ele faz um cantor brega que descobre uma carta de John Lennon endereçada a ele nos anos 1970, algo que poderia ter mudado sua vida. O achado o leva a buscar o filho rejeitado e tentar uma guinada artística, tendo que para isso enfrentar o escrito do destino e o ressentimento familiar. Em O ÚLTIMO ATO (com sofisticada estrutura baseada em romance de Philip Roth), ele vive um ator veterano e decadente, dono de uma estranha compulsão pelo suicídio no palco, que é de repente “salvo” pelo aparecimento de uma afilhada que o amava desde sempre. Retire todo efeitismo de “Birdman” e você terá algo bem melhor em O ÚLTIMO ATO, até pela semelhança entre as carreiras de Simon Axler e do próprio Pacino.

Nesses dois filmes, ele vai em algum ponto que está além da interpretação. Incorpora os papéis com tanta minúcia e propriedade, com tanto prazer e desenvoltura que a gente esquece a distância entre ator e personagem. O único risco é cristalizar um tipo muito particular que pode se esgotar com a repetição. Mas por enquanto é uma das coisas mais competentes, engraçadas e contagiantes que se pode ver nas telas.


frankFRANK tem seu personagem-título inspirado no músico e comediante inglês Chris Sievey, que criou o personagem do mesmo nome, com o rosto sempre coberto por uma enorme máscara esférica de papel machê ou fibra de vidro. Mas o filme do irlandês Lenny Abrahamson não é exatamente sobre ele, mas sobre Jon, um jovem candidato a compositor que entra para a banda de rock liderada por Frank. Na verdade, o filme não é sobre Jon, mas sobre as relações dentro daquele grupo de gente estranha, que se bate dia e noite contra a própria falta de talento para fazer música. Aliás, o filme não é bem sobre isso. Para falar a verdade, não sei sobre o que é FRANK. Ocultação de personalidade, doença mental, dinâmica de grupo, música de vanguarda e sucesso viral são temas que estão ali em estado de rascunho. Tudo me pareceu tão sem graça ou propósito que não conseguia impedir meu pensamento de derivar frequentemente para outros lugares. Produção esquisitíssima anglo-irlandesa, pretende se afirmar por espasmos de excentricidade e jeitão offbeat, mas fica somente no show de tédio com direito a teremin. Michael Fassbender passa 95% do tempo escondido na máscara, o que merecia o Oscar do desperdício.

3 comentários sobre “Cinco filmes, uma blogueira, um grande ator

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