Cinco anos atrás eu fui convidado a escrever um texto para um livro que comemoraria os 15 anos da Cavídeo. O livro até agora não saiu, e a Cavídeo faz hoje (sexta) 20 anos. Aproveito a ocasião para publicá-lo. Descontado um ou outro dado desatualizado, ele continua valendo, principalmente pelo carinho que esse nome merece.
Lembro bem que estava de saída do meu trabalho no CCBB-Rio quando comecei a ouvir falar da Cavídeo. Era ainda o tempo do VHS, e a nova locadora se enfiava num cantinho entre pizzarias e barracas de frutas e legumes da Cobal do Humaitá. Talvez por isso associasse mais o nome a orégano e pimentões que a filmes propriamente. E ainda pro cima com aquele nome meio bobo, que eu interpretava como “vem cá, vídeo”.
Aos poucos, fui conhecendo melhor a ideia e seu dono. Fui percebendo que havia ali um amor legítimo pela fruição do cinema. Não um amor cerebralizado de cinéfilos cultos, nem tampouco o interesse de um simples negócio. O que Carlos Vinícius (Cavi) Borges começava a representar, naquele final da década de 1990, era uma relação informal mas orgânica com a circulação e o consumo de filmes. As mostras que a Cavídeo começou a promover na época realizavam um desejo de dividir o prazer do cinema. Arrisco-me mesmo a dizer: era uma atitude que antecipava a idade do compartilhamento vivida hoje com a internet e a cultura digital.
Rapidamente, a Cavídeo passou a cumprir um papel antes reservado a locadoras como a Videoshack e a Polytheama, ou a 2001 Vídeo em São Paulo – pólos nobres de difusão, em sua época, de uma nova forma de se consumir o produto audiovisual. Tornou-se referência qualificada entre cinéfilos, gente de cinema, estudantes, jornalistas, etc. Mais interessados na diversidade da oferta que na obesidade dos lucros, Cavi e sua equipe trouxeram para as prateleiras da locadora o filé da produção internacional que não era editada no Brasil. Assumiu o caráter de uma cinemateca, dinâmica na aquisição e generosa na prestação de serviço.
Por razões de falta de tempo e oportunidade, eu mesmo nunca me beneficiei como gostaria da minha ficha de cliente da Cavídeo. No entanto, por um período razoável tive acesso a itens preciosos da delicatessen cultural da Cobal. Foi no período entre 2006 e 2008, quando mantive no site do Globo o DocBlog, espaço dedicado à notícia e à análise de documentários. Nessa época fui colega de blogosfera do Cavi. Ele e Gustavo Pizzi lançaram o blog Cineclube, também em O Globo, voltado principalmente para a divulgação do curta-metragem e de festivais. Era quando trocávamos muitas figurinhas no balcão virtual.
Não foram poucas as vezes que meu porteiro interfonou dizendo que “o rapaz da locadora” tinha deixado um pacote de DVDs para mim. Era o Cavi em pessoa que levava à minha casa, de surpresa, as últimas aquisições na área documental para alimentar a curiosidade do DocBlog. Não o fazia por interesse em merchandising da locadora, mas pela simples satisfação de prover assunto para meu blog. Pela mera e adorável disposição para ser gentil.
Enquanto isso, eu acompanhava a expansão de sua atuação pelos cineclubes em diversos pontos da cidade, incluindo favelas e periferias. Cavi ia deixando de ser o cara da Cobal para se tornar um cidadão da cidade, um elemento aglutinador, um empreendedor dos pequenos. A marca Cavídeo, através de uma rede de parcerias, espalhava-se como água solta pelos bairros e comunidades do Rio.
O surgimento da produtora, em 2002, foi decorrência natural dessa evolução. Com sua incrível capacidade de tornar as coisas possíveis, mesmo com poucos recursos, Cavi não só começou a produzir seus próprios filmes, como partiu para produzir os de outros – novatos como o parceiro Gustavo Pizzi (Pretérito Perfeito, Riscado) e veteranos como Luiz Carlos Lacerda (Casa 9) e agora Luiz Rosemberg Filho (Dois Casamentos); irmãos de fé como Luciano Vidigal (Copa Vidigal), Gustavo Melo (Picolé, Pintinho e Pipa, codiretor de A Distração de Ivan), e primos de atrevimento como André Sampaio (Strovengah) e Abelardo de Carvalho (Faroeste).
A distribuição, é claro, não poderia faltar nesse Complexo Cavídeo. Assim surgiram o projeto Curtas nas Prateleira e o selo Original Vídeo, de DVDs de filmes brasileiros. Para celulares, internet e TV, Cavi criou e produziu a série Mateus, o Balconista, explorando o universo da cinefilia de locadora. Abrir sua própria sala de cinema é o próximo passo – e quem duvida que ele o dará?
Quando escrevi esse texto, o blog Cineclube andava conectado à preparação do novo documentário do Cavi como diretor e produtor, Cidade de Deus – 10 Anos Depois. Estimulado pelo próprio Fernando Meirelles, este talvez venha a ser o mais vistoso produto da Cavídeo desde o premiado Riscado. Mas certamente não fará Cavi Borges mudar sua atitude de garotão boa-praça nem trocar suas bermudas por fatiotas sociais. Não por enquanto.
A Cavídeo tem uma cara tipicamente carioca: diverte-se gastando pouco, combina trabalho com festa e faz da informalidade um trunfo de simpatia e sucesso. É profissional e amadora ao mesmo tempo, no melhor sentido das duas palavras. Assim foi por esses 15 anos. Assim do jeito que a gente gosta.
VIVA CAVI !, VIVA CAVI !, VIVA CAVI !, … VIVA CAVI !, VIVA CAVI !, VIVA CAVI !, VIVA CAVI !
Cavi semrpe foi extremamente generoso e simples, muito simples. Sua humildade e o sorrisão largo abriram as portas de sua locadora ímpar na Cobal do Humaitá para quem quisesse algo realmente diferenciado, mas sem qualquer máscara de “intelectual”. De judoca a cineasta, Cavi conciliava o aparentemente impossível, transformando 24 horas em 72. Certa vez, em início de 1999, quando a Locadora ainda ficava no girau dauela Cobal, ele emprestou seus troféus no judô para um trabalho de final de curso ministrado por Alberto Salvá & muitas “feras” do cinema. Ninguém faria isso, mas o Cavi fez. Passei umas 48 horas zelando por aquele precioso material de cena, e devolvi como prometido. Ninguém teria confiado somente na palavra de uma aluna de um curso livre, mas o Cavi confiou. Merece tudo de melhor, sempre. Cavídeo e Cavi são patrimônio do Humaitá, do Rio e de onde ele pisar, com seu coração de menino bom e mente de quem aprendeu o riscado como poucos. Parabéns e Gratidão à Cavídeo e ao Cavi Borges :):)
VIVA CAVI !
sempre que leio seu texto me emociono!!! muito legal e generosas suas palavras! grande abraço meu e da Cavideo e muito obrigado pela sua amizade e parceria. Me faz querer fazer mais e mais filme!!!!! Vamos em frente!!!!!!1