O MILAGRE no streaming
No interior da Irlanda, em 1862, a menina Anna (Kíla Lord Cassidy) está há quatro meses sem ingerir alimentos e se encontra aparentemente saudável. Pessoas afluem até sua cabana em busca de milagres. A enfermeira Elizabeth (Florence Pugh) é trazida da Inglaterra para vigiar sua rotina, em revezamento de turnos com uma freira. Caso se prove que ela realmente não come nada, terão uma santa para glória do lugar.
O argumento de O Milagre (The Wonder) baseia-se em romance de Emma Donoghue. Não sei se para citar algum recurso narrativo do livro, o filme de Sebastián Lelio (diretor chileno do excelente A Mulher Fantástica e dos ótimos Glória e Gloria Bell) começa e termina num estúdio de cinema, num pretenso lance de reflexividade. Esse é o primeiro sinal de que as coisas não foram muito bem nessa investida irlandesa do cineasta. Nada justifica aquela moldura autorreferente.
O filme é apenas um drama pesadão, arrastado, sobre um tema que se desenvolve penosamente na tela. Elizabeth tenta impor severidade à vigilância, afasta os pais da menina ao mesmo tempo que teme pelo seu definhamento e morte. A morte, aliás, é algo que assombra tanto a família de Anna (seu irmão morreu muito jovem) quanto a enfermeira, que perdeu um filho bebê.
No entanto, nada disso se articula dramaticamente com a questão central: Anna alimenta-se por algum artifício imperceptível ou será mesmo um fenômeno extrassensorial que se nutre do “maná do Céu”? Existirá uma razão psicológica para sua mística devoção? As respostas virão num crescendo de falta de sentido – e não só em relação a Anna, mas também a Elizabeth. A entrada em cena de um jornalista interessado no assunto parece um adendo forçado para facilitar um desfecho sem muita lógica.
A trilha musical muito soturna de Matthew Herbert convoca sintagmas do filme de horror, mas O Milagre nunca se afirma nesse gênero. O drama psicótico se alonga apesar dos cuidados fotográficos e da interpretação correta (não mais que isso) de Florence Pugh.
>> O Milagre está na Netflix.