Sobre ANIMAL POLÍTICO, MULHER MARAVILHA, ANDE COMIGO e PARIS PODE ESPERAR –
ANIMAL POLÍTICO, primeiro longa-metragem do pernambucano Tião (autor do premiado curta Muro), é uma fábula protagonizada por uma vaca. Uma vaca criada com todos os confortos nas tetas de uma família (humana) burguesa, mas que um dia se sente sufocada pela falta de sentido e parte em busca de iluminação.
O filme pode ganhar muito se examinado à luz do budismo (a vaca reedita a viagem de Sidarta), dos filmes de aventura animal e do surrealismo pop (a CowParade instalou vacas de fiberglass decoradas por artistas locais em diversas cidades do mundo nos anos 2000). De qualquer forma, o esperto aparato estético e de produção mobilizado pelo filme tem sua graça restrita à primeira meia-hora, tornando-se depois um tanto repetitivo e, no fim das contas, estéril.
Como se temesse isso, Tião enxertou de modo brusco uma espécie de curta-dentro-do-longa sobre uma bela náufraga loura, herdeira da indústria canavieira, que desfila sua nudez selvagem numa ilha deserta e acaba se conectando magicamente com o percurso da vaca. Mas é preciso ressaltar que, apesar da arbitrariedade desse segmento e da limitada evolução do argumento, ANIMAL POLÍTICO tem uma simpática originalidade e rascunha sua filosofia com uma pegada lúdica que pode cativar a plateia.
“I am the man who can”, afirma, cheia de autoconfiança, a MULHER MARAVILHA. A frase talvez seja a que mais explicita a subversão pretendida pelo primeiro filme de super-heroína dirigido por uma mulher. Essa condição inédita tem colocado o filme de Patty Jenkins no centro de um debate sobre feminismo no cinema de massa. Resgata-se agora a origem da personagem, que está na utopia feminista “Herland” (1915), da escritora e sufragista americana Charlotte Perkins Gilman.
O superpoder do filme, porém, tem um limite. Embora Diana, Princesa das Amazonas, dê seguidas provas de empoderamento sobre os machos e nunca seja filmada com o viés erotizante do olhar masculino, ela está longe de ser um ícone feminista. A começar pelo modelo de beleza padrão representado por Gal Gadot, ex-soldada do exército israelense. A boca indescritível e sempre envernizada de batom basta para fazer dela uma espécie de símbolo sexual não genital.
Mais do que a dicotomia homem-mulher, “Wonder Woman” põe em cena a dicotomia humanos-deuses. Diana vem lutar na terra dos mortais (I Guerra Mundial), mas permanece focada nos mitos. Em muitos sentidos, desconhece a natureza dos homens, dispensando até mesmo o parceiro sexual masculino como “desnecessário” – uma piscadela à autossuficiência feminina. Por conta disso, o filme traz boas cenas de comédia de costumes na Inglaterra viril e misógina da época. Ao entrar no campo da batalha humana, ela se despe do vestido de suffragette numa série de elipses que evitam o ritual do striptease. A deserotização da personagem, um tanto estranhamente, serve ao propósito político de atualizá-la.
Diversão e qualidade de produção não faltam. São curiosos os efeitos especiais aplicados à estética vintage nos domínios mitológicos. A direção de arte na Londres dos anos 1910 e as sequências de guerra são vistosas. E, afinal de contas, o filme preserva uma ingenuidade típica dos quadrinhos, assim como a Diana de Gal guarda um jeito de menina que faz duplicar sua força. Feminista pode não ser, mas MULHER MARAVILHA joga uma lufada de ar fresco no gênero comics.
Pernas, para quê te quero? No melodrama dinamarquês ANDE COMIGO, os membros inferiores são tudo. Um jovem soldado pisa numa mina no Afeganistão e perde parte das duas pernas. Enquanto se reabilita, lutando contra a depressão, é ajudado por uma bailarina de coração bom, mas sem dono. Ele, obstinado e belicista, quer voltar a caminhar e retornar ao Afeganistão. Ela deseja se manter imune a compromissos românticos. Como num argumento de 70 anos atrás, o amor vai nascer e mudar para melhor o espírito dos dois pombinhos.
É difícil localizar algum traço de originalidade. Os contrastes óbvios entre movimento e invalidez, a previsibilidade absoluta do plot central e os clichês hospitalares não deixam frestas para qualquer ideia nova. Perto de clássicos do trauma de guerra como “Johnny Vai à Guerra” e “Amargo Regresso”, o filme de Lisa Ohlin mais parece uma novelinha vespertina de outrora.
Bem mais constrangedor ainda é que a família Coppola tenha gestado um filme tão medíocre como PARIS PODE ESPERAR. Eleanor Coppola, mulher de Francis e mãe de Sophia, estreia no longa de ficção com um road movie caquético. A bela Diane Lane mantém a mesma expressão inverossímil de surpresa encantada do início ao fim. Ela faz a esposa de um produtor americano de cinema, marido ocupado e relapso, levada de carro por um sócio dele de Cannes a Paris.
O filme pretende ser um elogio dos desvios que levam do racionalismo americano ao hedonismo francês. Mas o que conseguiu foi me aborrecer profundamente com essa viagem através dos piores clichês de americanos “when in France”. O “guia” turístico é um chato insuportável com suas demonstrações incessantes de suberudição histórica, gastronômica e enológica. Os franceses, afinal, são bons vivants, galanteadores e, aqui e ali, corruptos. E à mulher cabe apenas ser negligenciada pelo marido ou cortejada pelo candidato a amante. Para não faltar um toque pseudofeminista, chega a hora de consertar o carro.
O par visita museus, restaurantes, hotéis e paisagens a bordo de preleções didáticas, conversas de duplo sentido e muita repressão sexual – como nos tempos de Doris Day ou, aliás, bem pior. E quando tenta introduzir algum drama, o filme atinge o patamar do ridículo. Eleanor conduz a narrativa de maneira tão banal que chega a inserir imagens dos quadros citados, como num documentário de interesse escolar. Entre muitas informações inúteis, ficamos sabendo, por exemplo, que Erik Satie não lavava suas camisas. Fantastique, n’est ce-pas?