Em culturas orientais como a do Japão, da China e da Tailândia, o contato com o sobrenatural não é motivo de pavor, nem resultado de transe. É antes uma expansão natural do cotidiano, algo com que se pode conviver naturalmente, conversar, repartir refeições, etc. A VIDA APÓS A VIDA é exemplar desse tipo de fantástico visto como antiespetáculo, fábula vivida em plena rotina.
Uma mulher toma emprestado o corpo do filho para retornar dos mortos, reencontrar parentes e cumprir o ritual de transferir uma árvore que lhe permitirá apartar-se definitivamente da esfera terrena. Aproveita a viagem para mostrar ao marido que o pai e a mãe dele, já mortos, vivem uma nova encarnação, não necessariamente como seres humanos.
Assim como é tênue o limiar entre vivos e mortos, também existe uma similitude essencial entre tudo o que é vivo – pessoas, animais e plantas. Daí o estranhamento que essa fabulação pode causar em quem raciocina por segmentações. O tempo mais curto para os animais e mais longo para as árvores em relação ao do homem é uma medida sempre levada em conta.
Em seu primeiro longa, Zhang Hanyi exibe influências tanto de Tarkovsky quanto de seu produtor Jia Zhang-ke. Em ritmo de slow cinema, sua câmera impassível explora uma paisagem rústica e monocromática, composta de galhos secos, terra árida, muros arruinados e casas encavernadas que sugerem uma Capadócia chinesa. Uma paisagem sonora sutil cria um clima levemente inquietante, mas que nunca descamba para o gênero terror.
No meio desse cenário desolado, ergue-se a estrutura imensa de uma usina mineradora, fonte de trabalho para os habitantes do lugar. Enquanto em Zhang-ke esses empreendimentos mastodônticos determinam as condições sociais e existenciais dos personagens, para Zhang Hanyi é apenas pano de fundo para o périplo de pessoas ensimesmadas e desgarradas do mundo econômico. Se há um esforço que os caracteriza, este é o trabalho de Sísifo, com a proverbial capacidade chinesa de mover grandes pesos e sempre recomeçar.