FOR SAMA
As imagens mais antigas que vemos em FOR SAMA são de 2012, quando estourou a revolta contra o ditador Bashar Al-Assad em Aleppo, norte da Síria. A jovem jornalista Waad Al-Kateab filmava a revolução na esperança de vê-la vitoriosa. Seguiu filmando quando as forças do regime reagiram e iniciaram uma série de bombardeios sobre Aleppo, culminando com o cerco que destruiu rapidamente a cidade. Nesse período, em plena guerra, Waad casou-se com o médico amigo Hamza e tiveram uma menina, Sama, a quem o filme é dedicado como carta de uma mãe que busca a compreensão da filha no futuro.
O filme, finalizado em conjunto com Edward Watts, é extraordinário por diversas razões. Antes de mais nada, pelo sangue frio de Waad em persistir no registro de sucessivos massacres. Ela e Hamza criaram um hospital de emergência, que seria bombardeado e reconstruído em outro local até ficar sendo o único de pé na cidade. A câmera não nos poupa da visão dantesca de feridos e moribundos chegando às centenas por dia no auge de um cerco que mirava também escolas e hospitais.
Em dado momento, Waad se dirige à filha, ainda bebê, para perguntar se ela vai perdoá-la por tê-la exposto a tantos perigos, enquanto muitos trocavam Aleppo pelo exílio. É o que nos perguntamos também diante de uma persistência que chega à fronteira da irresponsabilidade. Mas Waad e Hamza tinham uma missão: denunciar o horror ao mundo e tentar salvar o máximo possível de vidas, mesmo pondo em risco as suas próprias e da filha.
Entre o hospital, a casa e as ruas devastadas, FOR SAMA expõe ainda a intimidade da vida sob ataque. O pânico dos mísseis, as carências básicas de alimentação, água e eletricidade, as crianças brincando com os destroços e os momentos de relaxamento, quando os adultos se permitiam rir e fazer piada com a desgraça. Waad e Hamza, assim como a família dos seus melhores amigos, são pessoas do bem e de alto astral, o que torna ainda mais selvagem o contraste com a guerra.
A pequena Sama, testemunha muda e inocente, faz com que o olhar da mãe-cineasta se interesse especialmente pelo destino das crianças na guerra. Este é o foco mais dramático e incisivo: crianças morrem diante de sua câmera, outras choram os irmãos mortos, outras são salvas milagrosamente ou simplesmente expõem no rosto o supremo pavor que se segue a um massacre. No limite do dramaticamente suportável, este documentário se junta a outros que entram para a história do cinema com a marca trágica de Aleppo.
P.S. Filme visto em versão baixada na internet.
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