O curta documental Capacetes Brancos, sobre a brigada de resgate nas cidades atingidas pela guerra civil da Síria, ganhou o Oscar da categoria este ano. ÚLTIMOS HOMENS EM ALEPPO pode ser um forte candidato entre os longas da próxima edição. Isso se os votantes da Academia suportarem atravessar seus dolorosos 104 minutos, como fizeram os jurados de Sundance que o premiaram como melhor documentário.
Em matéria de crueza da exposição, o filme de Firas Fayyad (em codireção com o dinamarquês Steen Johannessen e o sírio Hasan Kattan) se equipara ao dilacerante Água Prateada – Um Autorretrato da Síria, exibido no festival de 2014. Em ambos os casos, eu me vi torcendo pelo próximo corte que me pouparia de encarar crianças e bebês trucidados sendo extraídos de baixo de escombros, pedaços de corpos sendo recolhidos em sacos plásticos e parentes trespassados de dor.
Com um sentido de urgência que só a guerra pode gerar, a câmera segue o trabalho dos brigadistas numa Aleppo de bairros já completamente destruídos. As bombas de Bashar al-Assad e da aviação russa não paravam de chover sobre a cidade no período filmado, fazendo com que as pessoas não retirassem os olhos do céu. De explosão em explosão, os Capacetes Brancos correm com ambulância, body-bags e frequentemente as próprias mãos para revirar pilhas imensas de destroços em busca de uma voz ou um choro sobrevivente, quando não de recuperar os corpos dos mortos.
Eles se sentem abandonados pelos “irmãos árabes” e pelo resto do mundo. Com poucos recursos, entregam-se a um trabalho heroico, agora já amplamente reconhecido pela comunidade internacional. Mesmo assim, existe uma guerra de contra-informação a respeito dos “Capacetes Brancos”. Volta e meia aparecem acusações de aliança com os rebeldes, parcialidade nos resgates, recebimento de subvenções dos EUA e Inglaterra, e até falsificação de vídeos em benefício de sua própria imagem. Melhor discutir tudo isso com o especialista Fernando Brancoli no debate após a sessão de amanhã (7/10) às 14h, no Net Botafogo 1.
Difícil seria acreditar que ÚLTIMOS HOMENS EM ALEPPO compactue com qualquer tipo de mistificação. Apesar de uma possível seleção de eventos especialmente dramáticos envolvendo crianças, o filme transpira veracidade ao documentar o trabalho dos brigadistas. Há também registros da intimidade do grupo e das famílias dos dois personagens principais, o carismático Khaled e o extenuado motorista de ambulância Mahmoud. Numa sequência de grande emotividade, Mahmoud visita a família de um menino que salvou e do qual recebe as mais tocantes demonstrações de reconhecimento.
Ficar ou não ficar em Aleppo até o fim (a paz ou a morte) é uma questão discutida ao longo do filme, inclusive através de uma metáfora com peixes de aquário. Quando o filme termina, de maneira contundente, ficamos sabendo que seis brigadistas entre os que apareceram em ação no filme morreram durante resgates.
Seja quais forem as nossas simpatias pelos lados em guerra na Síria, agora que al-Assad parece vitorioso, o fato é que, no auge do conflito, morrer não tinha hora nem lugar em Aleppo.
Leia meus textos sobre os outros quatro indicados ao Oscar de longa documentário em 2018:
Ícaro / Visages, Villages / Abacus, Pequeno o Bastante para Condenar / Strong Island
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