Fotos da crônica criminal argentina dos anos 1980 mostram a jovem e bonita Claudia Sobrero com chapéu de cowboy, cigarro na mão e olhar desafiante. Ou a mesma Claudia dormindo numa cela de prisão depois de participar do assassinato do cartunista Lino Palacios e de sua mulher em 1984, junto com dois cúmplices de latrocínio. Ela foi a primeira mulher – e única até agora –condenada à prisão perpétua na Argentina. Depois de 26 anos de reclusão, um documentário mostra um retrato não muito diferente de Claudia. Os cabelos estão pintados, as rugas vieram, a expressão está mais cansada, mas permanecem o olhar autoconfiante, os cigarros e o ar de rebeldia. No corpo, tatuagens e roupas modernas de quem parece nunca ter perdido o contato com o mundo das ruas.
Uma personagem e tanto a de Claudia, novo doc argentino que está pleiteando uma vaga nos festivais de Gramado e do Rio. O diretor Marcel Gonnet, um dos responsáveis pelo premiado La Crisis Causó Dos Nuevas Muertes, a acompanhou em atividades dentro do cárcere e nas saídas temporárias a que passou a ter direito recentemente. Nas horas de liberdade, ela dá depoimentos sobre sua experiência e tenta reconstruir laços afetivos, inclusive procurando uma de suas duas filhas, que cresceu sem contato com ela.
Claudia é uma exceção em muitos sentidos: dentro da prisão, fez o curso secundário, formou-se em Sociologia, fez oficinas de artes e diz-se convencida de que evoluiu “como pessoa”. Dessa maneira, contradiz as vozes que acusam o sistema prisional de não reabilitar ninguém. Ao mesmo tempo, ela se distancia muito da imagem da presidiária arrependida e contrita, pronta a merecer o perdão da sociedade. Ao contrário, guarda um quê de selvagem e uma visão irônica do mundo – que a leva, por exemplo, a rir muito diante das matérias jornalísticas que se seguiram ao crime e forjaram sua imagem de “assassina perfeita”. Um romance-reportagem e uma fantasiosa série de TV, denominados Mujeres Asesinas, tornaram “La Sobrero” sinistramente popular no país.
Claudia parece ter uma noção superior de tudo o que lhe sobreveio nessas quase três décadas. Por isso sua trajetória, mais que ilustrar, faz um contraponto à discussão do sistema carcerário, que ocupa boa parte da metragem do filme. “Reeducação e reabilitação são desculpas para a existência das prisões”; “Os presídios já nasceram debatendo suas falhas”; “A reinserção é uma balela para quem nunca foi inserido socialmente antes de ir para o cárcere” – são algumas frases que ouvimos da boca de sociólogos e militantes anti-prisionais, não raro seguidas de uma citação de Michel Foucault (Vigiar e Punir).
A importância de Claudia é trazer uma luz relativamente nova a essa questão mediante um “caso” que a coloca em xeque. Claudia Sobrero ganhou liberdade condicional em 2006 e voltou a ser presa por uma tentativa de furto. O filme nos coloca na posição de juízes, uma vez que ex-presidiários nunca deixam de estar em julgamento. Qual a sentença que cada espectador daria a Claudia? Que julgamento se faz de uma prisão como a de Ezeiza? Essa é a confrontação que o doc propõe. Oxalá consiga chegar às nossas telas.
Pingback: Aqui e ali, no Cinesul « …rastros de carmattos
Que legal, Monica. Bem-vinda e comente sempre.
Olha, adorei seu Blog…
Considero-me uma “pesquisadora” no AUDIO VISUAL e com certeza, seu Blog tem muito a me ensinar. Vou ler aos poucos, saboreando cada post, e procurando assistir as indicações….