Como contribuição à Biografia do Caetano, lançada no Facebook e galhardamente não autorizada, estou postando este trecho do meu livro Walter Lima Jr. – Viver Cinema. Nele, Caetano Veloso conta sua primeira relação sexual com uma mulher, no caso Anecy Rocha (então conhecida como Anecyr), irmã de Glauber, casada na época com o cinegrafista Hans Bantel e futura mulher de Walter Lima Jr.
A relação entre Glauber e Anecyr era de proteção e devoção extremas e recíprocas. Mais ainda depois que a irmã do meio, Ana Marcelina, tratada como menina-prodígio e apresentada às visitas tocando piano e acordeom, morreu de leucemia aos 11 anos de idade. Na virtual ausência do pai à frente da administração da casa, Necy acostumou-se a ver o irmão como chefe da família. Consultava-o antes de qualquer decisão, ao que Glauber reagia como um preposto de Adamastor. Não lhe permitia namorar ou viajar, controlava sua maneira de vestir-se e sempre queria saber aonde ela ia e a que horas voltaria. O biógrafo de Glauber, João Carlos Teixeira Gomes, supõe que ele tentava proteger a irmã dos perigos da sexualidade masculina, julgando todos os homens pelo seu próprio ardor amoroso.
De qualquer modo, não se pode acusá-lo de empunhar seus escudos contra o vazio. Seus próprios amigos eram apaixonados por Necy. Era preciso estar atento e forte. O mais fiel companheiro poderia, de uma hora para outra, transformar-se num perfeito cafajeste. A mistura de beleza, sensualidade, alegria e ternura da irmã era, afinal, irresistível. Além do mais, o apego de Anecyr à liberdade também não deixava sua cabeça descansar em paz. O fato de estar casada não a impediria de viver uma aventura amorosa, se fosse bela e valesse a pena.
Uma delas ocorreu nos estertores do casamento com Hans, durante uma viagem de Anecyr a Salvador. Numa caminhada de fim de tarde pelas areias do porto da Barra, o diretor de teatro Álvaro Guimarães apresentou-a a um jovem magrelo e cabeludo, tímido estudante da Faculdade de Filosofia que cultuava Chet Baker e adorava cinema. Caetano Veloso ficou deslumbrado com aquela mulher “visceral e espontânea, linda e muito engraçada”. No dia seguinte, Alvinho contou-lhe que ela também ficara impressionada por ele. Marcaram novo encontro. Ela confessou-lhe que precisava se separar do marido. Tinha descoberto que seu casamento era uma ilusão e encontrava-se agora mais presa à família do que antes. De repente, puxou-o pelo braço: “Olhe, vou levar você pra conhecer a coisa mais linda da Bahia”.
Na rampa do Mercado Modelo, tomaram um barquinho a remo conduzido por um menino e rumaram para o forte de São Marcelo, a construção circular que domina a paisagem da Bahia de Todos os Santos, em frente ao panorama da cidade. Ali o pequeno condutor desembarcava os passageiros e cuidadosamente afastava-se. Diante de uma visão de Salvador que até então desconhecia, Caetano teve o que sintetiza como “uma iniciação privilegiada, grandiosa”. Caetano mescla poesia e memória para descrever sua primeira mulher, aquela que, como confessou em Verdade Tropical, desempenharia um papel decisivo em sua vida: “Tudo dela brotava naqueles dentes muito brancos como coco. Ela tinha os lábios muito carnudos como uma fruta, o cabelo muito preto. O sorriso se parecia com o do Glauber, espremendo os olhos”. No vídeo Alvorada Segundo Kryzto, realizado por Paloma Rocha e Raul Soares em 1986, ele daria o seguinte depoimento: “Antes de eu conhecer Necy, o amor para mim era alguma coisa do mundo das sombras, do mundo da morte. Não era uma coisa vivível. Necy foi para mim a porta para o amor-vida. Eu não faria nenhuma canção, não teria um filho, não viveria se não fosse ela.”
Apesar de intenso e breve como uma chuva de verão, o caso deixaria uma lembrança para sempre emocionada no compositor. Em Necy, produziria uma ponta de íntimo orgulho.
Pouco depois do mágico encontro no forte, Caetano visitou-a no Rio, durante uma ausência de Hans. De repente, alguém mexeu na porta do apartamento e Anecyr saltou, assustada. Quando viu que era Glauber, pôs-se ainda mais nervosa. O irmão chamou-a na cozinha e ela tentou tranqüilizá-lo, dizendo que sua companhia era apenas “um amigo bicha de Salvador”.
É muito mágico esse amor acontecido,jamais será esquecido.!
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Um-amigo-bicha-de-salvador.
Bonita a história. obg
Sensacional, Carlos! Uma grande contribuição, obrigado por nos citar! abraços, sucesso e una buona fortuna!
Babado forte e lindo !!! Sorte de Caetano e felicidade de todos nós que amamos sua poesia e música decorrente desse amor ! Que todos que estão do lado de lá estejam em paz !