De guerra, hipopótamos e adolescentes

Estrada 47Nem ode heroica, nem chacota com a Força Expedicionária Brasileira, A ESTRADA 47 mostra um pouco de como os soldados brasileiros lidaram com o despreparo, a fragilidade e a condição de subalternos na II Guerra. Temos seis combatentes encarregados de desarmar minas terrestres. Após um acidente fatal com dois deles e um ataque de pânico coletivo, os quatro restantes, acompanhados por um jornalista, se dispõem a uma missão redentora: desmontar as minas da perigosíssima Estrada 47 e assim possibilitar a travessia dos americanos para liberarem um povoado. O plano final dos brasileiros extenuados e sozinhos enquanto a cidadezinha festeja os americanos diz muito sobre o lugar do Brasil naquela guerra. Ao invés de ações bélicas (há uma única troca de tiros), Vicente Ferraz nos oferece um pequeno estudo de personagens. O quarteto brasileiro passa por medo, indecisões, vacilos de autoridade, pequenas rixas internas, mas demonstra compaixão pelo inimigo ferido e fibra na hora decisiva. São os bons moços da fita. Não faltam estereótipos como o negro sambista e o nordestino piadista. O que falta mesmo é um pouco mais de solidez na narrativa. O suposto narrador (papel de Daniel Oliveira oralizando uma carta ao pai) é bem pouco desenvolvido, assim como a repercussão das ocorrências no comportamento dos personagens. Eu tive certa dificuldade em situar fisicamente a trajetória dos soldados, apesar das locações muito sugestivas e da fotografia excelente. Descontados esses senões, a coprodução Brasil-Itália-Portugal retoma com méritos um gênero quase inexistente entre nós. E confirma Vicente Ferraz como um dos nossos poucos diretores com real inserção internacional.


Nada melhor para definir A VIDA PRIVADA DOS HIPOPÓTAMOS do que mais uma metáfora com aqueles bichões enormes: a parte do corpo que fica à tona é menor que a porção que permanece submersa. Maíra Bühler e Matias Mariani simulam um documentário investigativo sobre Chris Kirk, hacker e traficante de cocaína americano que passou quatro anos numa prisão brasileira e fugiu do país durante a liberdade condicional. Na verdade, parecem menos empenhados em desvendar o personagem do que embarcar na sua vibe, seja vampirizando seus arquivos de computador até na trilha sonora (tudo autorizado pelo próprio), seja dando espaço muito mais do que o merecido às aventuras amorosas de Chris com uma misteriosa femme-fatale colombiana. A história tem lances rocambolescos a perder de vista – e a certa altura, de interesse. Poderia ser um estudo de falsificação como “Verdades e Mentiras” de Orson Welles, ou um ensaio sobre o império das banalidades como o “Tablóide” de Errol Morris. Mas para isso precisaria ir além da mera fofoca e dizer algo mais sobre a arte de mentir e o estado das coisas no mundo da comunicação. Melhor que o personagem e suas repetitivas fabulações é o exercício de construção narrativa à moda dos browsers. Pelo menos enquanto a superficialidade não se instala também aí.


O mexicano Fernando Eimbcke tem uma admirável dedicação ao tema do purgatório da adolescência, aquele período em que somos paralisados pelo tédio, a descoberta do sexo e a insegurança sobre o que fazer com isso. CLUB SANDWICH é mais um capítulo desse estudo. Num hotel de veraneio vazio, fora de temporada, uma jovem mãe e seu filho de 15 anos sublimam a sexualidade num relação lúdica com o corpo um do outro. Esse arranjo vai ser desfeito pela entrada em cena de uma garota igualmente curiosa pelo erotismo. Os cremes de proteção solar ganham status de sucedâneo da experiência sexual. O filme é mais uma variação da síndrome do ninho vazio. Eimbcke procura traçar sua delicada curva com poucas falas e economia de recursos em todos os sentidos. Mas, ao contrário do memorável “Temporada de Patos”, ele aqui coloca o estilo acima do sentido. Há um minimalismo artificioso no silêncio e na postura lacônica dos personagens, assim como na repetição de bordões. A partir de um certo ponto de inação, quando o creme acaba, o tédio daquelas férias ameaçam contagiar o espectador. A curta duração do filme é um fator decisivo para que isso não chegue a acontecer.

3 comentários sobre “De guerra, hipopótamos e adolescentes

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