Algumas pérolas de Patricio Guzmán sobre o ofício do documentarista em seu livro “Filmar o que não se Vê” (Sesc, 2017):
“Admiro o trabalho do jornalismo e dos meios audiovisuais, mas somos muito mais livres e nos movemos no âmbito do instinto e da imaginação”.
“É preciso que se tenha um ponto de vista para se encontrar um sentido para a realidade, ou seja, é preciso ter uma opinião, uma apreciação, um juízo sobre um tema para poder descobrir quais são as palavras, os enquadramentos, a luz adequada para filmar ou gravar essa realidade. O chamado “ponto de vista” contribui para anular o caos”.
Sobre as exigências de “equilíbrio”e “objetividade”: “Não há sentido algum em pedir a um pintor que faça um quadro trabalhando com a mesma porcentagem de vermelho, verde ou amarelo; é irracional”.
“Não tenho nada contra o realismo nem contra a linguagem simples. Agradam-me as obras clássicas e também o lado simples da vida. O que não tolero é a preguiça, a ausência de empenho, o conformismo e a falta de ousadia de algumas pessoas que fazem documentários porque acham que é mais fácil e assim garantem um posto no “ambiente”, o que é detestável, pois saturam de mediocridade um gênero que não merece isso”.
“A sorte, nesse gênero imprevisível, aparece quando a gente se esforça”.
“O cinema documentário recupera o tempo da vida. Existe, no entanto, atualmente a tendência de negar o tempo natural e substituí-lo pelo tempo fictício do espetáculo”.
“Uma folha de papel arrastada pelo vento, um lápis que se mexe, uma porta que oscila, os olhos que pestanejam têm o mesmo valor que um furacão, um tsunami ou um terremoto. Todo movimento é ação”.
“A voz humana, quando estoura e vira um uivo, se transforma numa das ações mais poderosas que existem no cinema documentário. É uma classe de ação pura. E é provável que todas as espécies vivas, quando se sentem acossadas, uivem”.
“É curioso, e cômico até, quando topamos na rua com um ‘personagem’ que filmamos. Como o processo de montagem é muito longo, durando às vezes mais de um ano, conhecemos de cor seus gestos, seus olhos, suas palavras. Assim, ao encontrá-lo por acaso na rua, corremos para abraçá-lo, beijá-lo, como se fosse um amigo íntimo, que, surpreso, já quase não se recorda de nós”.
Sobre os antigos documentários baseados em pesada narração em off: “A voz era como uma corda esticada em que as imagens eram penduradas”.
“Uma entrevista é tudo, menos um interrogatório. (…) Uma entrevista é um lento caminho de subida”.
“Para um documentário de 52 minutos, são suficientes três sequências fora do comum; para um filme de 90 minutos, de quatro a oito”.
“No fundo, o trabalho de montagem pode se resumir numa só frase: respeitar o material, extrair o melhor dele; empurrá-lo na mesma direção em que já está”.
“Aprendi ‘estrutura’ escutando música clássica”.
“O realismo de uma geração parece um artifício para a seguinte”.
“Cada imagem tem em si mesma uma música. Temos de perceber essa música oculta e se existe um compositor capaz de ouvi-la”.
“A realidade filmada é a única contribuição insubstituível do documentário, ou seja, o documentário é o álbum de fotos da espécie humana”.
“Um país sem documentário é como uma família sem álbum de fotos”.
“Carecemos de ir além, expor o que não sabemos, mostrar o que não vemos”.
Adoro esta entrevista dele: https://www.youtube.com/watch?v=yBJ9UrnpL80
É realmente muito boa. Grato pela dica, Felipe.
Amo os filmes dele! Simples, profundo, humano. Belo e terrível… A nostalgia da luz é imenso, emocionante, poético. Estou com muita vontade de ler o livro! Obrigada pelas ”perolas” acima!!!
É o maior documentarista latino-americano vivo, com certeza. Os filmes sobre a história chilena são monumentais e “Nostalgia da Luz” é obra-prima eterna.
Ele disse tudo!: “No fundo, o trabalho de montagem pode se resumir numa só frase: respeitar o material, extrair o melhor dele; empurrá-lo na mesma direção em que já está”.
É incrível essa definição, não é, The?
É o livro q estou lendo.
Muito bom!