MUDBOUND: LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPPI pode não trazer nada de muito novo quanto ao tema do racismo nos EUA do pós-II Guerra, nem em matéria de invenção cinematográfica. Mas isso não o impede de ser uma sólida caracterização da intolerância e um drama realizado a dois passos da perfeição.
São duas famílias convivendo numa mesma fazenda nos anos 1940. Os Jackson, negros, têm posse de sua parte da terra mas são tratados como servos pelos McAllan, brancos e tutelados por um patriarca ligado à Ku Klux Klan. Cada família tem um filho servindo na guerra. Quando retornam, a amizade entre eles vai botar lenha na fogueira racial. O roteiro, baseado em romance da escritora Hillary Jordan, faz vários subtemas se cruzarem com habilidade. Lá estão o sistema escravocrata se perpetuando no mundo rural através do apartheid e da subjugação pela violência; os ecos da guerra se refletindo na consciência dos negros que ajudaram a defender a pátria; a idealização de uma Europa mais compreensiva com a questão racial; a sensibilidade feminina se opondo a um mundo de machos destrutivos.
Não é descabido dizer que o filme exagera um pouco ao botar o preto no branco. Em libelos como esse, os negros só têm um defeito: a submissão, afinal compreensível pela falta de alternativa. Aos brancos cabem todas as deformidades de caráter, salvas algumas honrosas exceções. Dentro desse padrão de dramaturgia, porém, a diretora (negra) Dee Rees trabalha muito bem as emoções do espectador, administrando a indignação e as simpatias de maneira equilibrada e sem artifícios. A condução do elenco é outro ponto forte do filme, com interpretações marcantes mas sóbrias.
A estrutura de alternâncias entre os dois polos narrativos quebra a linearidade da história e conta com um recurso sugestivo na incorporação de vários personagens narradores em off. Daí um certo tom de reminiscência que lembra o Terrence Malick de “Cinzas no Paraíso”, impressão acentuada pela estética pastoral e os contraluzes da belíssima fotografia de Rachel Morrison, a primeira mulher indicada ao Oscar nessa categoria. MUDBOUND (palavra traduzível por “atolados na lama”) concorre também em roteiro adaptado, atriz coadjuvante (Mary J. Bilge, como a mama Jackson) e canção.