VOCÊ NUNCA ESTEVE REALMENTE AQUI

Muito injustamente, já chamaram esse filme de “o Taxi Driver do século XXI”. Algumas semelhanças são óbvias: um homem solitário e endurecido, dotado de um senso de justiça psicótico, vagando pelo baixo mundo de Nova Iorque e envolvendo-se com meninas exploradas sexualmente. Mas as diferenças falam mais alto: enquanto o filme de Scorsese examinava uma psicopatia de fundo social, VOCÊ NUNCA ESTEVE REALMENTE AQUI limita-se a um thriller de captura e vingança como tantos outros.

Joaquim Phoenix é Joe, veterano de guerra (isso eu só sei pela sinopse) que ganha a vida resgatando garotas mantidas como escravas sexuais. Tem impulsos suicidas e atormenta-se com flashes de memória de meninas mortas e da sua própria infância junto a um pai abusivo. Deste, ele herdou o hábito de usar um martelo como arma. Quando é contratado para libertar a filha de um senador num bordel de Manhattan, Joe se vê enredado numa máfia de políticos e crimes sexuais. De agente ele passa a objeto da ação, atordoado como cego em tiroteio.

O rumo que as coisas tomam é suficientemente inverossímil para não ser levado a sério. A diretora Lynne Ramsay (do intrigante Precisamos Falar sobre Kevin) tem apreço por tramas doentias como essa, em que um matador pode deitar-se ao lado da vítima agonizante e os dois cantarolarem juntos. Lynne esmera-se aqui na estilização de som, imagem e estrutura narrativa. Personagens e contextos são mostrados como se através de um espelho partido, com informações ralas e muita sugestão audiovisual. A realidade frequentemente se confunde com estilhaços de memória e imaginação da parte de Joe.

O título do filme brinca com Eu Ainda Estou Aqui, o falso documentário que Casey Affleck fez com Joaquim Phoenix oito anos atrás. Em cena durante cada minuto do filme, tenso e elétrico como um arco voltaico, é o ator que nos sintoniza com essa insólita, sangrenta e não muito consistente história de salvação.