O GRANDE CIRCO MÍSTICO
Do poema de Jorge de Lima à peça de Naum Alves de Souza, ao disco de Edu Lobo e Chico Buarque e finalmente ao filme de Cacá Diegues, O GRANDE CIRCO MÍSTICO foi ganhando camadas de materialização, mas conservando o essencial: a história de sucessivas gerações de uma família circense e a separação entre corpo e alma, entre a expansividade do espetáculo e a interiorização de conflitos pessoais.
O longamente esperado 17º longa de ficção de Cacá (o último foi O Maior Amor do Mundo, de 2006) chega escorado numa caprichada produção e num dos maiores acertos do diretor na regência de sua “orquestra”. O filme impressiona pela vitalidade da encenação, pela ótima condução do elenco e pelo eficiente resultado artesanal de cenas desafiadoras como as do circo.
No roteiro de Cacá e George Moura, a saga dos Knieps se estende de 1910 até um ponto indefinido do século 21. Começa com o pedido do jovem Fred Knieps à rica amante do seu pai, em seguida à morte dele: comprar-lhe um circo para agradar a sua amada Beatriz. Daí em diante, de tragédia em tragédia, de nascimento em nascimento, filhos e filhos dos filhos darão continuidade ao empreendimento e à complexa rede de afetos que inclui casamentos indesejados, abandono familiar, incestos, estupro, rejeição erótica e vingança conjugal.
Cada personagem atua numa modalidade circense, e é através dela que se relaciona com os demais. Assim é que ganham sentido metafórico a cópula da contorcionista, a superdotação do mago, a fúria do domador de leões, as artimanhas da trapezista e a leviandade das dançarinas que levitam. Atravessando incólume todos os tempos, pois ele é o próprio tempo, está o mestre de cerimônias Celavi (Jesuíta Barbosa), que só altera o arranjo dos cabelos. O circo, como é de praxe acontecer em suas representações dramáticas, é um microcosmo das paixões e dos humores dos homens.
Por mais esmerado que seja na realização, O GRANDE CIRCO MÍSTICO falha, porém, em criar uma liga entre seus muitos fragmentos. A narrativa é episódica demais, o que pode se justificar num espetáculo de picadeiro, mas resulta um tanto flácido como estrutura cinematográfica. É bem verdade que o material original é por natureza fracionado e serial, mas a rapidez com que se passa de uma situação a outra não deixa muita margem a uma adesão mais calorosa do espectador.
É recomendável, portanto, que se apegue ao simples espetáculo, ora esfuziante, ora sedutor. Há cenas de bravura na arena do circo, culminando com o balé das gêmeas voadoras. Cacá dá vazão mais uma vez a sua poética dos efeitos especiais singelos, com borboletas e balões digitais, um coração em chamas e um estranho cometa que não repete a promessa de passar de novo.
Eu, particularmente, gostaria de ter visto um efeito especial que fizesse as belíssimas canções de Edu e Chico ganharem maior proeminência. Infelizmente, este não é um filme musical.