COMPRA-ME UM REVÓLVER
“Tudo o que está nesse filme é real”, apregoa a menina narradora na primeira cena de COMPRA-ME UM REVÓLVER. A frase soa cada vez menos verdadeira à medida que avança a trama, centrada em algum ponto do México profundo, em tempo indeterminado. O narcotráfico a tudo domina pelas mãos de um chefe estranhamente andrógino. A menina Huck se disfarça de menino e é mantida acorrentada pelo pai, músico e zelador de um pequeno estádio, a fim de que não a roubem, como já fizeram com sua mulher e a filha mais velha. Pai e filha são unidos por um misto de proteção mútua e exploração da garota.
O ar seco e o chão poeirento não incomodam tanto quanto a presença dos traficantes, arrogantes e sádicos. Huck testemunha todo tipo de brutalidade, mas confia em herdar a sorte do pai, que escapa às situações mais perigosas. Ao acompanhá-lo, ela perde a inocência e faz sua iniciação num território de violência randômica, empenhada também em ajudar um amiguinho a recuperar o braço cortado pelos “cabrones” do tráfico.
Estamos num tipo de cinema áspero e pouco sutil com que alguns cineastas mexicanos costumam explorar a vida bruta de parte do país. Mesmo com resultado um pouco superior a Te Prometo Anarquia, o diretor guatemalteco Julio Hernández Cordón falha em oferecer uma narrativa coerente e satisfatória. As incongruências são muitas, como a sobrevivência e as ações dos três amiguinhos de Huck, o motivo pelo qual os bandidos mantêm a outra menina numa jaula e quase tudo o que acontece na meia-hora final, após o desaparecimento de um dos personagens principais.
Em meio à crueza gratuita em que tudo se passa, de vez em quando o filme decola para momentos de irrealismo poético que, apesar de desconexos com o resto, não deixam de causar boa impressão. Uma pausa para contemplar aves num barranco, um crepúsculo quase mágico ou uma paisagem após a chacina com cadáveres recortados em papel parecem inserções da inocência infantil num panorama de bestialidade.