O professor e pesquisador João Luiz Vieira, um dos mais importantes formadores de cabeças de cinema no Brasil, escreveu esse texto especialmente para o blog sobre o curta Sem Título #7 Rara, de Carlos Adriano, exibido recentemente no festival É Tudo Verdade. João Luiz é grande conhecedor do cinema japonês e admirador fervoroso da atriz Setsuko Hara, modelo do filme de Adriano.

Uma poética rara

Yasujiro Ozu e Setsuko Hara

Sublime expressão de experimentalismo onírico e reflexivo em torno de um rosto (e corpo) emblemáticos do cinema japonês: Setsuko Hara, alegre, triste, sorrindo, chorando, caminhando, sentando, performando uma variada gama de emoções concentradas nessa magnífica atriz.

Em sua última realização, Sem Título # 7 Rara, Carlos Adriano justapõe na edição e no interior da própria imagem uma dinâmica variada de possibilidades poéticas a partir de fragmentos de seis filmes de Yasujiro Ozu, interpretados pela atriz entre 1949 e 1961. Trata-se de mais um brilhante exemplo de cinema que pensa a si mesmo numa progressão poética e circular, quase em loop, que contrasta, em breve passagem, a imagem e seu inverso, o positivo e o negativo.

Um eixo central e estruturante do filme apoia-se na “problematização” do texto fílmico em torno da canção I Go to Sleep, repetida em três diferentes versões que vão criando uma enunciação ambígua e metadiscursiva. Uma linha que costura traços repetitivos de mundos diegéticos presentes nos filmes de Ozu, onde, inescapável e rigorosamente, a rotina das repetições sempre guardará muito de seu encanto.

Este trabalho soma-se a outros filmes de Carlos Adriano, ampliando uma obra carregada de autorreferencialidade que reconfigura sua experiência pessoal geradora de emoções, poesia e memória afetiva onde também me sinto implicado.

João Luiz Vieira