Shakespeare no cárcere

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Depois dos aplausos da estreia, os atores dessa montagem do Julio César de Shakespeare não saem para jantar e comemorar com os amigos. Em vez disso, retornam cabisbaixos e silenciosos para suas celas na prisão de segurança máxima de Rebibbia, nos arredores de Roma. Estão condenados por tráfico de drogas, assassinatos e outros crimes, alguns à prisão perpétua. Dois deles escreveram livros, outro virou ator profissional. Em sua maioria, são não atores como em tantos outros filmes de Paolo e Vittorio Taviani. São italianos de província, como os de Padre Padrone, A Noite de São Lourenço Kaos, que interpretam seus papéis nos dialetos natais. César Deve Morrer é Taviani puro. Deu aos irmãos o Urso de Ouro do Festival de Berlim.

Estamos nos domínios do diálogo entre teatro e cinema, mas não do documentário. Não se trata de um registro dos ensaios de Julio César pelos presidiários, mas de uma ficção sobre os ensaios, encenada pelos próprios. Tudo é marcado para a câmera, e não o contrário. A negação do aspecto documental é clara e progressiva ao longo do filme. Na verdade, temos aqui um ensaio sobre as conexões entre vida e teatro. Os presos interpretam os agentes da lei e da justiça no Senado de Roma. Cochicham sua conspiração contra César nos desvãos do presídio, sob os olhares irônicos dos guardas. Falam de morte, liberdade, traição, rivalidade e vingança como se se referissem a suas próprias histórias. Essas histórias pessoais, aliás, frequentemente se misturam ao texto de Shakespeare, passando até pelos pensamentos noturnos dos encarcerados.

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César Deve Morrer é um pequeno filme de dois grandes cineastas. Tem algo de televisão, área em que os Taviani têm mais trabalhado nos últimos anos. Mesmo sem ser obra de impacto, é uma curiosidade irresistível e saudavelmente sintética nos seus 73 minutos.

(nota publicada originalmente durante o Festival do Rio 2012)

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