DIÁRIO DENTRO DA NOITE na Mostra de Tiradentes

Converter o dispositivo em linguagem. A limitação em arte. A casa em cena. Chico Diaz fez isso em Diário Dentro da Noite, sua estreia na direção. Fez para evitar a morte do espírito, que é mais trágica que a morte do corpo. Quem disse isso foi Campos de Carvalho, autor do monólogo A Lua Vem da Ásia, que Chico encenou antes da pandemia no teatro e, em 2021, no palco virtual.

Dentro do seu apartamento no Rio, cercado por seus quadros (Chico é um exímio pintor) e cartazes dos seus filmes, o ator e agora diretor filmou suas invenções de confinado. Aproveitou a similitude da situação com o texto de Campos de Carvalho, centrado nos devaneios de um tal de Astrogildo, preso num manicômio que ele julga ser um grande hotel internacional. As falas surrealistas de Astrogildo se misturam às reflexões e hesitações do próprio ator, às imagens e números do vírus na TV e ao som dos panelaços contra o verme presidencial.

Os gestos recorrentes de abrir as janelas – de uma delas vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo – ou subir a um pequeno terraço dizem da ânsia por evasão de quem tem o corpo trancado em casa e a cabeça lá fora. Chico tem algo de clown nas suas performances domésticas, eventualmente incrementadas por acelerações na imagem e jump cuts (saltos de edição) cômicos. Em outros momentos, é capaz de comover com projeções sobre os móveis, inclusive de filmes de família.

Tudo foi criado e registrado em regime de estrita solidão. O principal recurso de iluminação foi a lanterna do celular.

O caráter confessional de Diário Dentro da Noite é constantemente sabotado pela narrativa delirante do personagem Astrogildo, daí resultando um palimpsesto de vozes que transitam entre a realidade e a fantasia. Chico Diaz dá um exemplo simples e luminoso de como transformar um trabalho cênico num depoimento pessoal inventivo e absorvente.

>> Diário Dentro da Noite fica disponível online durante 24 horas a partir de sábado (22/1) às 20h neste link.  
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