Pílulas das férias (3)

Mais pequenos comentários sobre filmes vistos durante o período de semiférias do blog: BOB CUSPE – NÓS NÃO GOSTAMOS DE GENTE, WHAT DO WE SEE WHEN WE LOOK AT THE SKY, A FILHA PERDIDA e APRESENTANDO OS RICARDOS.

BOB CUSPE – NÓS NÃO GOSTAMOS DE GENTE

Seguindo e incrementando o modelo do já clássico curta Dossiê Rê Bordosa, Cesar Cabral investe na metalinguagem no longa com BOB CUSPE – NÓS NÃO GOSTAMOS DE GENTE. As entrevistas com Angeli, Carol e Laerte são hilárias, talvez mais até que a história principal com os personagens – que se passa, claro, na cabeça do cartunista. Ainda sob o trauma da morte de Rê Bordosa, Angeli recebe o troco pela sua tara em matar personagens. Bob Cuspe, agora um punk velho, é perseguido pelos minúsculos Elton Johns e, ajudado pelos bobões Irmãos Kovalski, parte pra cima do autor (seu alterego) através do Vale do Ego em busca de vingança. A animação com bonecos é de altíssimo nível, assim como a minuciosa direção de arte e a banda sonora, cheia de citações musicais divertidíssimas. O filme é uma tradução perfeita da santa escrotidão de Angeli, um artista cuja criação é movida pela mitologia da crise e pela irreverência.
>> Está no Now e no Vivo Play. 


WHAT DO WE SEE WHEN WE LOOK AT THE SKY?

A sinopse diz muito e ao mesmo tempo quase nada sobre esse filme georgiano: Lisa e Georgi topam um com o outro várias vezes por acaso, se apaixonam e marcam um encontro para o dia seguinte. Mas não conseguirão se reconhecer um no outro. Ao acordar, não serão mais as mesmas pessoas. Em mais uma coincidência, vão trabalhar num mesmo local como completos desconhecidos. Esse fiapo de história romântica, atravessada por uma espécie de feitiço, vai quase se perder em meio a mil observações do diretor Alexander Koberidze sobre a vida na pequena cidade de Kutaisi, na verdade a grande personagem do filme, fotografada com requintes de luz e cor. Futebol, crianças, sorvetes, cachorros de rua, uma escola de música… A narrativa é dispersiva até quase perder de vista, mas não perde o senso poético e levemente surrealista. Lembrei-me ora das vinhetas cômicas do palestino Elia Suleiman, ora do estilo lacônico de Robert Bresson, inclusive na fixação por detalhes dos corpos e dos lugares. Um adagio cinematográfico com a música em primeiro plano – e onde o cinema tem o papel mágico que merece.
>> Está no Mubi. 


A FILHA PERDIDA

Só li um livro de Elena Ferrante, e não foi A Filha Perdida. O que li não me transformou num fã da elusiva escritora. Assisti a A FILHA PERDIDA sem considerar que se tratava de uma adaptação literária. Como drama sobre uma especialíssima condição feminina, não encontrei muita substância. Leda (na mitologia grega, mãe de meninos cujo pai era Zeus transformado em cisne) é uma mãe problemática que canaliza sua perversidade para outro núcleo familiar durante férias numa praia grega. Estreando na direção, a atriz Maggie Gyllenhaal fez um trabalho descaracterizado do ponto de vista cinematográfico, com jeitão de telefilme rotineiro. A personagem, tragada pelo inferno da maternidade, teve sua eventual complexidade reduzida a rompantes e reações mal explicadas, num jogo banal entre presente e passado. As referências à sexualidade e à alta cultura soam deslocadas, como num best-seller que pretenda parecer ousado e erudito na superfície. Nem as boas atuações de Olivia Colman e Ed Harris, nem a beleza de Dakota Johnson me convenceram. Nesse hype eu não embarco.
>> Está na Netflix. 


APRESENTANDO OS RICARDOS

Aaron Sorkin (“A Grande Jogada”, “Os 7 de Chicago”) realizou mais um filme de ação verbal veloz e incessante, fazendo cruzar show business e política. Aqui, os protagonistas são o casal Lucille Ball e Desi Arnaz, responsáveis pelo megassucesso televisivo dos anos 1950 “I Love Lucy”. O roteiro de Sorkin tem uma engenhosidade curiosa, a de encapsular fatos de vários períodos da vida do casal numa semana crítica da época do macarthismo. Lucille é acusada de ser comunista, desconfia que seu marido a trai e terça armas com a equipe para fazer valer suas decisões na gravação de um episódio. O mote do filme é tratar de uma sitcom em ritmo de sitcom, mesmo quando, em lugar do humor, está o drama. Nicole Kidman está ótima, apesar do rosto de boneca recauchutada que só move boca e pupilas. Javier Bardem se espalha como entertainer cubano. Enquanto via o filme, oscilei entre a exaustão e a diversão.
>> Está na Amazon Prime. 

 

 

Um comentário sobre “Pílulas das férias (3)

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