BRINCANTE é um ensaio de road movie que serve às performances de Antonio Nóbrega, Rosane Almeida e o seu grupo de dança. A bordo de sua fubica, o casal sai de Recife, se aventura pelo agreste pernambucano e chega a São Paulo. As apresentações se dão ora em estúdio, ora ao ar livre, e fazem o percurso entre o arcaico e o contemporâneo. No Nordeste, ancoram-se na tradição do picadeiro e dos espetáculos mambembes. Em SP, espalham-se em palcos e intervenções coreográficas no espaço urbano segundo a estética dos flashmobs. Villa-Lobos, canções picarescas e números instrumentais se alternam sem disfarçar muito o aspecto fragmentário, numa espécie de portifólio do trabalho incansável de Nóbrega, um artista completo que encarna todo um repertório profundamente brasileiro. A fotografia de Jacques Cheuiche é simplesmente magnífica, assim como os trabalhos de som e montagem. Nos créditos finais, uma animação stop motion de Gabriel Nóbrega (filho de Antonio) fecha com chave de ouro um filme que é puro deleite. Depois do DVD “Lunário Perpétuo” e da Ocupação no Itaú Cultural, Walter Carvalho acrescenta mais um belo tijolo em seu edifício Antonio Nóbrega.
Talvez haja uma certa overdose de bons sentimentos em A ALEGRIA DE EMMA. Talvez os toques de fábula e onirismo invadam demais a realidade dos personagens. Talvez o filme exija do espectador muita suspensão da descrença para aceitar certas circunstâncias da história. Mas a convicção e a delicadeza com que o diretor Sven Taddicken conduz essa insólita comédia romântica faz a gente comprar cada uma de suas estranhas curvas, rindo e suspirando ao mesmo tempo. Uma bela linguiceira ameaçada de despejo no seu sítio de porcos vê-se de repente na companhia de um doente terminal com uma boa grana na algibeira. A ambição, a carência afetiva e o medo da morte entram então em disputa com a compaixão, a bioética e o amor verdadeiro. A atriz Jördis Triebel, que às vezes lembra a jovem Nastassja Kinski, tem os predicados que definem todo o filme: é doce e forte. Alguma semelhança temática faz desse filme alemão um bom programa duplo com o brasileiro “Boa Sorte”.
HOMENS, MULHERES E FILHOS faz uma espécie de inventário sobre o amor nos tempos do tumblr. Jovens e adultos, pais e filhos se conectam, se atraem, se traem, se vigiam, projetam suas fantasias através de mensagens e avatares virtuais. Jason Reitman usa uma estrutura à moda Altman para circular entre as seis histórias, no que ficam algumas pontas soltas. Mas o interesse pelos personagens só faz crescer depois de um início pouco promissor. O que parecia ser mais um espetáculo de tipicidades americanas ganha ares de crônica social e cenas e diálogos bem picantes para a média do cinema hollywoodiano. Assim, o diretor canadense de “Juno” e “Obrigado por Fumar” vai se mantendo na faixa dos temas “sérios”. Aqui, as redes sociais não são ingrediente de comédia romântica, mas de um painel de paranoias, alienação, exploração sexual e outros males do século. Apesar de alguns alívios dramáticos no final, estamos longe do feel good movie e perto daqueles filmes bons para anteceder um debate sobre a condição contemporânea.
Os filmes de Lina Chamie sempre me parecem fraturados entre um plot bastante simples e um aparato narrativo que o excede em muito. Assim foi com a música clássica em “Tônica Dominante”, a poesia e a cidade em “A Via Láctea”. Assim é com os animais, o mito de Ulisses, a arquitetura e de novo a urbe paulista em OS AMIGOS. O arquiteto Téo (Marco Ricca) acaba de perder seu primeiro e melhor amigo. É estimulado pela amiga Maju (Dira Paes) a encontrar uma namorada. Isso é tudo, em termos de enredo. O resto é uma presunçosa camada de referências metafóricas e diálogos empolados sobre o heroismo, a existência de Deus e as imponderabilidades do amor. A enunciação realista é inoculada com flashes de percepção subjetiva e fantasmagorias do passado numa montagem (de Karen Harley) que tenta inutilmente conferir dinâmica a uma história sem vida. São Paulo, com seus roubos, aguaceiros e fluxos de gente e tráfego, é mais uma vez fetiche retórico, sem relação orgânica com o rumo dos personagens. A má atuação das crianças é outro calcanhar de Aquiles nessa Odisseia que, ao contrário da de Homero, não sai do lugar.
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Do filme Os Amigos ainda não tinha lido nenhuma crítica, fui assistir e saí com raiva de ter perdido meu tempo, acreditava pelo menos em boa atuação dos protagonistas, e, realmente são bons, mas o roteiro péssimo, inúmeros conceitos e metáforas sem sentido, as atuações das crianças, não sei porque foi tão ruim. Não é nem calcanhar de Áquiles, foi péssimo, deve ser falha de direção.
Homens, Mulheres e Filhos vou ver na próxima terça-feira, pelo menos espero um filme melhor, porque gostei de Juno e Obrigado por Fumar.
Aprecio muito seus comentários, são objetivos e em geral compactuo com suas opiniões.
Que pena quanto ao filme, e que bom quanto ao compartilhamento das nossas opiniões. Sigamos conversando, Izabel.
Gostei muito do Homens, Mulheres e Filhos, muito contemporâneo, encontramos estas situações ao redor. Quando saímos do cinema, maioria das pessoas que encontramos, (meia Noite), estavam conectados e andando pelos corredores e escadas rolantes do shopping com celular na mão.
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